A VERGONHA dos “BICOS” de Caravelas de Mirandela...
(Uma Carta Aberta ao POVO da Minha Aldeia )
Eu nasci nesta modesta casa da Rua da Igreja há 69 anos atrás e fui o primeiro dos Filhos do Ti Zé Artur e da Tia Julieta a sair da Familia de OITO Irmãos aos 13 anos de idade – eu sou o mais novo! 
A miserável morte da Minha Saudosa Irmã Maria de Lourdes Potêncio – figura conhecida na Aldeia por Tia Maria “Bica” - por certo vai pesar na consciência de alguns dos Meus Irmãos e Cunhadas, Sobrinhos... pelo desleixo, pelo abandono, pela solidão e sobretudo pelo frio de um inverno pesado como o foi o deste ano.
Tal como me diziam alguns Amigos e Conterrâneos fora da Familia recentemente – ela não merecia tão triste sorte nos últimos dias de vida.
Em Setembro de 2016 – uns cinco meses antes do falecimento dela,  eu passei em Caravelas e a encontrei deitada na Adega junto ao Tractor que a tinha machucado internamente e a saúde nunca mais foi a mesma, mas... quem se importava?... se os parentes próximos não a ajudaram muito menos seria de esperar de vizinhos ou estranhos.
Ela já não tinha forças para subir as escadas e nem acender o lume. Como ninguém a ajudou morreu ali mesmo...
Teimosa ela era, e... quem não é? Mas há sempre um tempo para viver e outro para morrer.  
Já naquela visita eu senti que ela não estava bem!... e por isso lhe disse que em breve eu voltaria a Caravelas,  para ajudar dentro das minhas possibilidades, que como Emigrante e Retornado nunca foram muitas... mas Deus não me deu essa chance!... DEUS a levou antes de conversarmos, tal como já o tínhamos feito em 2011, em 2014, em 2015... em 2016 eu tinha um compromisso com os Meus Filhos e não tivemos tempo para nada... talvez tenha sido esse dia um dos últimos momentos que ela saiu da Adega  da  casa dela  para acompanhar o Meu Filho Artur,  Afilhado dela até ao centro da Aldeia.
Alguns de vós,  ao lerem esta “Carta Aberta” poderão até me criticar por vir a público revelar sentimentos pessoais porém,  há um outro motivo ainda mais triste que eu acabo de constatar pessoalmente nesta última vez que passei em Caravelas.
Alguns dos Meus Irmãos e Sobrinhos fizeram e registraram em Cartório Notarial as PARTILHAS e... por ironia do destino, cumpriu-se o velho ditado: LONGE DA MÃO, ... LONGE DO CORAÇÃO!... simplesmente se esqueceram de mim e eu não recebi o Meu Quinhão da Herança à qual tenho direito por Lei.
A Tia Maria Bica era dona da Casa dela e também da Casa da nossa Mãe,  que ela tinha comprado ao fazerem as Partilhas da herança dos nossos Pais...
Porém, Amigos e Conterrâneos de Caravelas!... a dor maior eu senti ao visitar o Cemitério do São Miguel... se acaso o Amigo Domingos do Ti João Zé não estivesse lá para me mostrar a campa!... com certeza eu não poderia sequer rezar um Padre Nosso de despedida... nem sequer uma simples tabuleta de madeira lá puseram?!!! – a foto vale mil palavras.  
Que tristeza!... e que VERGONHA de me sentir filho do Ti Zé Artur “Bico” e da Tia Julieta!... não foi nada distoi que eles me ensinaram antes de me mandarem (despacharem) para Lisboa aonde eu cheguei sozinho aos 13 anos de idade.  
Caso meu Saudoso Irmão “Zé BICO” - que Deus já lá tem, se ele  fosse vivo! E pudesse ver  esta VERGONHA ... com certeza morreria de novo de desgosto tal qual a Tia Maria Bica morreu...
Por hoje fico por aqui,  e agradeço antecipadamente aos Mentores desta página do Face Book por me darem a oportunidade de divulgar esta carta – quantos outros Emigrantes de Caravelas não terão as mesmas mágoas mundo a fora!?
Fiquem com Deus!
Silvino Dos Santos Potêncio
Emigrante Transmontano em Natal/Brasil     
 
Nota do Autor: a alcunha “Os Bicos de Caravelas de Mirandela” eu confesso,   não conheço a sua origem porém desde pequeno sempre ouvi chamar isso ao Meu Saudoso Irmão Zé Bico, figura bem popular na Aldeia, antes e depois de termos emigrado para Angola (primeiro eu fui para Lisboa sózinho) pois o Meu Pai alegou que não tinha meios para ir comigo no comboio e me deixou dentro da carruagem na Estação do Pocinho... dali eu segui até Santa Apolônia em Lisboa e 3 anos depois, também sozinho fui para Luanda onde esperava encontrar o Meu Irmão Daniel.
Acontece que,  ele era militar e tinha saído de Luanda para o Norte e ali estava eu de novo só. Me desenrasquei e 3 dias depois eu já estava a trabalhar numa Roça de Café no Cuanza Sul a 580 kms de Luanda.

 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 09/11/2017
Reeditado em 09/11/2017
Código do texto: T6167160
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