Ego de Epiphânio

Falar de si, já é complicado. Do outro - o alter, em latim - ai de mim... E é justamente de um ego alheio que me proponho a falar. E olhem que eu jurava que não era de fofocar...Mas vai ver que vendo tanto Soninha Abrão enquanto no cochilo pos-almoço, no meu quase cotidiano teste do sofá... é nisso que dá...E assim, com a sonolência já vencida, é que me vem à cabeça esse interesse súbito, e súdito, na cabeça de outrem...

Vamos ao sujeito de nosso objeto: José Epiphânio, assim com esse nome pomposo até na grafia conservadora, é um conterrâneo da Velha Serrana, de quem fui quase vizinho, separados por um bloco, e vai ver que também por minha hesitação em me proclamar seu promitente cunhado, ainda em tenra e terna idade: duas irmãs suas, por algum tempo, foram minhas colegas no curso primário.

Epiphânio, com sua primogenitude, antecedeu-nos não só pela cronologia, como também pela precocidade com as letras, que até hoje o entretêm. Memorialista e cronista, esse precoce mas pontual sineiro da capelinha do Bom Jesus, conserva consigo preciosidades proto-literárias que vão consigo desde o curso primário, que iniciou, já alfabetizado, aos cinco. E não por voluntarismo seu, mas sim impelido por mestras educadoras que não viam razão de postergar o biscuit que pronto se antecipara à barra convencionada dos sete anos.

Dia desses foi que me revelou seu verdadeiro ego. E para sabermos o que é ego não carece ser latinista. Até a um latrinista esse conceito está ao alcance. E o ego de Epiphânio manifestou-se de forma gráfica justamente quanto a título de incentivo e de preservação do patrimônio cultural o pai, saudoso Ildefonso Camillo dos Santos, regalou o petiz com um de seus compêndios escolares: O livro de Ildeu.

Ao receber aquela incumbência, o menino, arrebatado, perguntou ao pai o que ele havia escrito no frontispício da obra. À resposta paterna de que um livro deve ser identificado por quem o possui, ato contínuo, sacou de um lápis e, em cursivo, perfeitamente legível, deixou sua marca, sob o nome do pai: "eu", assim escreveu. E de Ildeu, o livro passou a ser seu.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/03/2018
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