Sou DDA e DDAí? 8 - Prestação de contas

Sou DDA e DDAí? Ep. 8 - Prestação de contas

Fiquei sabendo que para o DDA/TDAH ter produtividade seria necessário estabelecer alvos de ter uma pessoa para prestar contas. O autor do livro Tendência a Distração, confessou que sendo um DDA/TDAH que não conseguiria ter escrito o livro se ele não se policiasse. Junto com um outro autor estabelece semanalmente alvos para completar o livro. Dizia que a cada capítulo por semana prestava contas, se reunia para prestar contas, e disse:

_Sem isso eu não completaria o livro

Conforme eu fui lembrando do meu passado e estabelecendo significados para períodos da minha vida. Verifiquei que por exemplo na minha educação em escolas. Eu peguei um tempo em que na classe, hoje se chama "sala de aula" ou seja na sala todos tinham que ficar quietos. Não se permitia conversas, barulhos, ruídos, lerolero pãmpãmpã. Autoridade era do professor. Facilitou que eu tivesse uma concentração na hora da lição, da explicação.

Naquele tempo que a professora passava a lição na lousa e imediatamente começava a andar nos corredores. Braços cruzados. Conferindo letras, palavras, frases, acentos, maiúsculas, minúsculas, ou seja, prestação de contas "on-line".

Conforme os anos na escola foram subindo. Começou aqueles trabalhos fora da classe, aqueles com capa com desenho colorido para impressionar. O que me ajudou foi que eram em grupos, então logo cada um pegava uma parte e todo dia se perguntavam como estava a "parte" então era uma lembrança: "prestadora de contas"

Agora eu acho graça. Mas na época era puro desespero, tragédia, tempestade interna. Na escola na matéria de Artes, o professor estipulava um determinado trabalho. Me recordo bem em que deveríamos levar argila e fazer alguma coisa com aquilo. Uma hora eu esqueci o barro em casa, outra hora eu esquecia o barro denominado: "argila" na escola.

Certa vez, muito comum esquecer que tinha aula de Artes daquele dia da semana. Meu desespero foi ver todo mundo chegando com seu trabalho barrento nas mãos e eu sem o trabalho de Artes para entregar e receber a nota. O trabalho de Artes, apesar de eu gostar por causa da criatividade. O lance era lembrar de levá-lo e lembrar de lembrar de traze-lo de volta.

Vezes e vezes quando eu chegava na sala de aula eu via o pessoal com caderno na mão. Dois cotovelos na carteira. Duas mãos nas orelhas. E dois olhos passando um raio nos textos manuscritos dos cadernos. Todos tensos e ansiosos. Eu entrando normalmente. De repente me tocava, era dia de prova, tinha esquecido.

Lembrei-me também de quantas vezes na quadra jogando bola na hora do intervalo das aulas e não percebia o sinal. Quando eu ia ver todo mundo estava tendo aula e eu ali com outros alunos de outras turmas jogando bola "dente de leite".

No colégio eu perdi amizade de um colega que éramos muito chegado. Daqueles que fazíamos trabalho junto, sempre sentávamos perto, na hora do intervalo saíamos para tomar lanche. Quando íamos embora, íamos para o ponto de ônibus juntos.

Certa vez assim que começou a aula. Eu teria dito alguma coisa pra ele que o ofendeu muito...mais muito mesmo. Ele levantou e foi sentar do outro lado da sala. Nunca mais falou comigo. Fui pedir desculpas mas ele não aceitou e nós tinhamos lá nossos 20 e poucos anos. O que me deixou encafifado é que não me lebrei do que disse. Não sabia o que tinha ofendido ele.

Encontrei com ele depois de 20 anos. Ele me cumprimentou

normalmente. Começamos a conversar e ele logo foi me contando que tinha tido recentemente um infarto. Logo abrindo a camisa me mostrou as cicatrizes no meio do peito. Na minha mente não pude evitar de ficar lembrando que nós tínhamos uma amizade muito legal e que eu ainda não lembrava o que eu teria dito que o ofendesse tanto. Como ele não falou nada e ao meu ver agiu normalmente como quando éramos amigos. Deixei quieto.

Sinceramente foi um dos momentos mais emocionantes pra mim. Porque aquilo de ter ofendido um amigo sem saber o que realmente tinha dito. Ficou como uma ferida emocional na minha alma. Daquele dia em diante ela tinha sido curada.

No trabalho lembro-me bem que quando comecei como ofício-boy, várias vezes, mas quando eu digo "várias vezes" é "muitas vezes". Subia em ônibus errado, passava do ponto, descia antes do ponto.

Andando nas calçadas, me distraia facilmente e muitas vezes, com vitrines de lojas.

Lí num determinado lugar. Não me peçam porque eu não vou lembrar onde. Que para o DDA/TDAH pode ser um tormento fazer supermercado num tempo previsível. Ele pode por causa da distração, inclusive entrar em angústia, confusão, "vontade de sumir", cansaço mental. De tanta informação das prateleiras e opções que ele precisará decidir. Uma vez que nosso cérebro é "desfiltrado".

Quando eu li essa frase neste livro comecei a pensar que realmente comigo acontecia isso. Comecei a ver quanto tempo eu passava no supermercado, e como aquilo produzia angústia em mim. Comecei a buscar alternativas. Lógico que antes eu levava uma lista pra não esquecer as coisas. Não era essa a questão. Era ficar preso em olhar, olhar, olhar, e não conseguir decidir e agir. Simplesmente pegar o produto e colocar no carrinho.

Ricardo Olah
Enviado por Ricardo Olah em 21/06/2018
Reeditado em 01/11/2019
Código do texto: T6369785
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