Sou DDA e DDAí? 10 - Só por hoje!

Temporada 1 - Sou DDA e DDAí?

Episódio 10 - Só por hoje!

Na mesma época que fui diagnosticado como DDA/TDAH. Entrei para um Grupo de Apoio de 12 Passos. Diz a lenda que esses grupos de 12 Passos caiu dos céus como um cometa entre os alcoólicos.

Eu entendi depois de mil e poucas palestras. Que lá para os idos em 1900 e bolinhas, nos primórdios, que tinha gente bem simples e gente "considerada" importante se recuperando do alcoolismo. Ficarem anônimos, ajudaria as famílias, a política e os negócios. E também que cada um é livre para dizer o seu testemunho de recuperação, se auto declarar "sou alcoólatra em recuperação". O que ficou de bom "tom" . O que ficaria desafinado e destonado seria:

_Quero apresentar meu amigo aqui ...ele é alcoólico, bebeu demais ...mas agora está indo comigo num grupo....

Educado dizer de mim. Indelicado dizer sobre o outro. Isso norteou os A.A - Alcoólicos Anônimos. Creio eu, com minha mente fértil.

O método deles foi se aprimorando para as mulheres de alcoólatras, as co-dependentes. Anos mais tarde percebeu-se que os princípios se aplicam aos narcóticos. Nascendo assim Grupos de N.A e estendidos para os familiares. Mais ainda se aplicavam as várias compulsões como jogar, comer, sexo, controlar pessoas, procrastinação, finanças, lidar com o luto e por aí vai.

Aprendi nesse grupo que não importasse a área de recuperação, eu poderia aplicar os "passos" a uma área de "sofrimento", de angústia, de relacionamentos difíceis, de reparações a serem feitas.

Lembro-me na época que sentei num grupo de "viciados", depois aprendi que o correto é "adicto" ou "dependência química". Apliquei os passos a minha situação de DDA/TDAH. Ouvindo as partilhas aprendia a como partilhar. Como colocar para fora pensamentos, sentimentos e relatar comportamentos.

Foi-me muito útil a "estrutura" do grupo de passos, necessária para um DDA/TDAH como eu. Vejo o que me aconteceu de bom.Reuniões regulares semanais.

As regras da partilha me estruturaram para minha recuperação.

Regra 1- Foco de sua partilha, seus pensamentos e sentimentos, 3 a 5 minutos.

Eu não podia falar igual um abestalhado, contar mil histórias, ser palhaço como gostava de ser, colocar máscara para minha dor, ao contrário tinha que expor, condensar minha fala para o que realmente importava, ir logo na ferida da minha alma. Não ficar colocando a culpa no DDA/TDAH ou em outras pessoas. Não importava mais "o que aconteceu comigo" agora eu era responsável de "o que eu iria fazer com o que aconteceu comigo"

Regra 2- Nada de conversas paralelas. Cada pessoa tem o direito de expressar seus sentimentos sem interrupção.

Eu não era interrompido, eu não interrompia. A regra era clara! Morria de vontade! De interromper e dizer: _Ah isso não é nada! e eu que..... ou então: _ Veja bem você pode fazer como eu fiz!

Regra 3- Estamos aqui para apoiar um ao outro. Não tentaremos "consertar" ninguém;

Não podia dar conselho, até hoje! Frequento o grupo de apoio até hoje! 14 anos direto. Um tempo para minha recuperação, para o meu crescimento e agora para servir o próximo através de "palavras e ações" como diz o 12º passo. Vi que "não dar conselho" teve muitos sentidos de bom senso para mim. Primeiro é que "cada um é responsável pela sua própria recuperação". Não sou profissional e as pessoas que frequentam os grupos, não as conheço. Achar que posso "tocar a ferida de outro para curar” é querer continuar a ser "Deus". Ver feridas abertas nos outros é um gatilho para minha codependencia e achar que tenho o controle das receitas de cura. Não estaria ajudando o outro, somente alimentando meu "controle de pessoas".

Fui percebendo nas palestras que há pessoas que são compulsivas em "controle de pessoas" e nesses grupos de apoio é um campo fértil para fornecer combustível para essas pessoas. Buscam recuperação, mas podem encontrar gatilhos para sua recaída de "controle". Por isso "não dar conselho" é uma forma de evitar o gatilho da "boa intenção". De boa intenção tem muita gente que foi parar na internação.

Regra 4. Anonimato e o sigilo são requisitos básicos. O que é compartilhado no grupo, permanece no grupo.

Não me canso de ouvir no início de cada partilha "o que se fala aqui, o que se ouve aqui, quem se vê aqui... Fica aqui! Posso ser eu mesmo sem máscaras, contanto minhas peripécias, meus acidentes, minhas culpas, minhas burradas, confessar meus pecados. Há cumplicidade. Há verdade. É simplesmente libertador. É enxergar no outro a minha assombração no meu quarto escuro. Colocar nomes em sentimentos até então desconhecidos. Chamar medo de medo. Desespero de desespero. Vergonha de vergonha. Chamar o pecado de pecado. O mais legal é que fui estimulado a ter uma partilha equilibrada. Daí o exercício de buscar e refletir as boas dádivas que aconteceram e estavam acontecendo no dia a dia. Só por hoje! Era para mim até indelicado trazer na partilha minhas mazelas sem trazer também minhas vitórias. E juntos celebrarmos como grupo. Aliás o nome foi bem feliz em se chamar "Celebrando a Recuperação" para combater a minha "murmuração"

5. Linguagem ofensiva ou vulgar não é apropriada para um grupo de recuperação centrado em um Poder Superior

No grupo é cada um com sua espiritualidade.É respeito acima de tudo. Sem julgamento. Sem crítica. Fui aprendendo que se expressar com ironia, sarcasmo. Com "humor escondendo dor" não era recuperação era "enrolação". Precisei entender que a estrutura das regras eram universais. Que tínhamos pessoas, como eu, que necessitamos se acostumar a ter “controle” e "limites". Porque exatamente por falta desses elementos estávamos em "recuperação". Ainda mais um DDA/TDA com ”Hiperatividade” descontrolada. “quem controla a língua pode controlar todo o corpo”. É fato.

Sem saber direito o efeito que esse grupo de apoio iria fazer em mim, mesmo não sendo específico de DDA/TDAH. Era o que eu tinha. Se tornou o que eu precisava no momento. Como um recente diagnosticado DDA/TDAH. Lidando com a culpa e tendo que fazer um "inventário", espécie de registro histórico, um relato honesto sobre mim mesmo.

Orientado a escolher no grupo "prestadores de contas" para me ajudar no caminho. Pessoas que eu daria permissão para me enviar mensagem se eu não viesse ao grupo. Pessoas que eu me reuniria frequentemente para prestar contas, por exemplo: se eu estava mesmo tomando meus remédios. Se estava me auto-sabotando. Se estava procrastinando meus alvos semanais. Se estava fazendo reparações da lista de pessoas que eu tinha feito. Se estava chegando no horário dos compromissos. Terminando a leitura dos livros começados. Cumprindo as promessas feitas a milhares e miríades de pessoas.

Só por hoje! É um ensinamento que repetimos constantemente, no processo de recuperação. É como se fosse um remédio que se toma todo dia. Um remédio para alma, que se desdobra para a vida. Um remédio que resume as palavras do nosso Poder Superior, Jesus Cristo, Anotado no inventário do celebrante Mateus no capítulo seis, verso trinta e quatro: "Portanto, não se preocupem com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal."