Autorretrato
 

                   Um vento sopra daqui, outro vento sopra de lá, de entremeio, calmarias e as circunstâncias vão me levando a trilhas, pessoas, outros tempos, diversos lugares... Uma viagem ao século passado, aos quintais e quitutes: fruta no pé de jabuticaba, casinha na sombra da mangueira, ali mesmo devorar broas e biscoitos com chá de erva-cidreira; as brincadeiras típicas de rua — pique-esconde, queimada e  cantigas-de-roda, muita roda...

                   Foram-me até aflorando lembranças de D. Marta, a primeira professora; o gosto pela geografia , história, matemática e trabalhos manuais... Ah! bordado, crochê e tricô! Que prazer e (meus contrastes!) castigo, vovó me punha sentada por horas, ao seu lado, ouvindo rádio (não havia tevê, não) e ponto, por ponto atando, com muito zelo, perseguindo a perfeição...

                   E por falar em disparidades, outra tenho a contar: somos quatro irmãs e um irmão, mas fui criada como filha única; com vovó fui morar, ela e os seis tios  me mimavam muito com temor que a deixasse; meus pais também o faziam, por ciúmes.

                   Nesta época que aprendi a gostar de histórias: vovó e eu íamos ao cinema durante toda a semana, menos no sábado (noite de visitas), cujo filme era repetido na segunda.

 

                   Sonhei ser médica, viajante, alienígena. Não havia ainda lido Walt Disney: ”TODOS OS NOSSOS SONHOS PODEM SE TORNAR REALIDADE - SE TIVERMOS A CORAGEM DE PERSEGUI-LOS.” — Fiz-me professora. Primeiro pensei em matemática, até no vestibular fui aprovada; precisei parar por dois anos para casar e o primeiro (de três) filho gerar.

                   “Não vai ficar sem estudar! Deixe de preguiça!” — meu marido determinou; e, então, mais uma divergência: Letras cursei. Dediquei-me à profissão com paixão e entrega total.

                   O convívio diário com jovens me tornou mais humana, abriu meus olhos para transformações e para a maneira de ser e agir das novas gerações. Cresci à medida que ligada aos alunos mais afetivamente, percebia o mundo de todos e de cada um. Fui aprendendo a ler as expressões faciais, os gestos, cada palavra dita ou escrita, até o silêncio carregado de expressividade. Minha linguagem se atualizava e adquiria novas tonalidades. Lendo muito: clássicos, nacionais, estrangeiros, infantis, juvenis, quadrinhos, novelas, revistas, sabrinescos, procurei transferir o amor aos livros e o gosto de redigir.

                   É assim que me sinto — escrever é uma aventura e uma transgressão. Aventura ao adentrar subterrâneos, dimensões e espaços; transgressão ao violar, ir além da verdade, infringir os limites do real. Por isto escrevo, é instigante invadir os labirintos da imaginação.


                        
                  
 
Fheluany Nogueira
Enviado por Fheluany Nogueira em 22/09/2018
Reeditado em 22/09/2018
Código do texto: T6456156
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