Araruta, Araruta!

Não tenho dúvidas de que meus 2 melhores empregos, foram na Casa Mattos Livraria e Papelaria e Casa da Borracha ambos na Avenida Copacabana.

A época mais fácil de se conseguir emprego no Rio de Janeiro, é no Natal e até quem não quer nada com o serviço, arruma emprego de vendedor em Papelaria, sapataria ou loja de Brinquedos, que são as que mais contratam.

Entrei na Casa Mattos na época do gerente Leite e foi uma beleza. Ele além de ser Pedra 90 tinha quase 2 metros de altura e como a papelaria tinha 2 andares, me esbaldei. Descia até o sub-solo com ele vendo, depois subia lentamente e com o pescoço tipo avestruz, ia esticando até ver todo o recinto por cima das estantes.

Periscopiava todo o ambiente procurando-o.

Se não o visse dava um estirão de 30 metros até a porta e sumia no trecho. Se na volta me pegasse a desculpa era:

Fui tomar café!

Se tivesse tomados todos os cafés hoje eu seria preto!

Pior era mesmo a chegada do caminhão (diário) com mercadorias. Só vinha depois que a loja fechava, as 20:00 horas.

Só os homens é que ficavam para descarregar e como éramos mais de 10, havia escala. Eu me apresentava para substituir os que moravam longe e com isso carimbei meu passaporte de contratado depois do Natal. Seu Leite ainda dava um big lanche para quem ficava. Na minha hora de almoço saía com minha marmita para o Shoping ao lado aonde assistia a filmes no Cine Hora.

O Sr. Leite podia chegar cedo mas não abria a loja antes de 10 minutos para as 8:00 dando tempo de a maioria chegar!

Achava errado o cliente esperar o vendedor do setor para ser atendido!

Eu chegava cedo para ficar vendo o movimento e me expondo como empregado, afinal desempregado numa cidade grande é sinônimo de vagabundo.

Mas uma guerra no Afeganistão, Iraque ou algo assim, mudou minha rotina. Cheguei 7,30 como de costume e êpa:

A loja estava aberta!

Não entrei, não sou doido e fiquei posando na porta. Ouvi um psiu vindo da loja e de la de cima do quinto degrau um Turco, Iraquiano ou coisa assim me inquiriu:

Voçe trabalha aqui?

Pergunta besta já que eu estava com a linda camisa azul celeste da empresa. Confirmei e ele mandou-me entrar. Respondi que ainda não era 8:00. Ele retrucou:

Tem clientes no balcão!

Repliquei: Sou repositor, trabalho no depósito!

Ele retirou o pino da granada:

Afinal voçe quer trabalhar aqui ou não?

Entrei muito, muito contrariado. E quando me contrariam acabam com meu dia.

O filho de Caim virou minha sombra nesse dia e o truque de ir ao subsolo não funcionou. Neste dia trabalhei como um burro sob a supervisão de Satã!

O satanás retirou a escala de descarregamento de caminhão, (quem usava cueca ficava) além de não dar lanche!

Onda vai, onda vem, essa onda pequena não ia me afogar. Dois filmaços no Cine Hora!

Consegui ver um no almoço, mas o 2º era problema. Desci para o subsolo mas sabendo que era parada dura.

O infeliz era Workaholic (seu lazer era trabalhar) e possivelmente dormia no emprego. Estou lá embaixo, na moita, coração a mil, pronto para ganhar a liberdade, quando vejo aqueles pés lépidos descendo a escada. Saí da toca e nossos olhares se cruzaram.

No dele frio e penetrante como uma ave de rapina, pude ler nas retinas, M e M de:

Morra Miserável!

Na minha testa ele leu:

Está Patetando Pateta!

Subi a escada sabendo que no fim havia luz. De lá via o sol refletindo no teto dos automóveis, a calçada fervilhando de pessoas indo e vindo, parecendo ter nas mãos bandeirinhas com as palavras:

Libertas quae sera tamem!

(liberdade ainda que tardia!)

Disparei rumo a ela e seja oque Deus quiser. Vi todo o filme e voltei com a cara mais deslavada do mundo. Dei azar!

Joguei pedra na cruz ou algo assim pois o 2 de Paus estava justamente no corredor que ia para o depósito.

Era agora o meu teste para ator global. Virei picolé ambulante desfilando numa passarela do polo norte! Sou cego desde menino, pensei e passei batido.

O Dedémônio também era ator e só fingia mexer na estante. Me segurou pelo braço, perguntando com voz tipo navalha na carne:

Aonde voçe estava?

A resposta estava mais do que decorada:

Fui tomar c.....

Não me venha com subterfúgio ignóbil!

Que porrada!

Pensei em responder, Araruta, Araruta, mas temi que o excomungado soubesse a resposta:

Eh, Eh, filho da Fruta, da Truta, da P.....!

Sabia que Ignóbil ja era ruim, mas acoplado ao Subterfúgio era dose para cavalo!

Saí com aquelas malditas palavras latejando na minha cabeça:

Subterfúgio Ignóbil!

Não tinha mais alegria, era ver o satanás e as duas palavrinhas brilhavam no meu cérebro:

Subterfúgio Ignóbil!

Em uma semana estava fora do emprego e sómente muitos anos depois fui ver o significado de tamanha afronta

subterfúgio

sub.ter.fú.gio

sm (lat subterfugiu) 1 Pretexto para evitar uma dificuldade; evasiva. 2 Escusa dolosa ou fraudulenta.

ignóbil

ig.nó.bil

adj (lat ignobile) 1 Baixo, vil, desprezível. 2 Que não tem honra; vergonhoso, torpe. 3 Que possui pouco ou nenhum valor.