1097-O ARQUIPÉLAGO - Biográfico

O ARQUIPÉLAGO

O nome pode parecer pomposo mas foi assim mesmo que a turma da Escola Técnica de Comércio de São Sebastião do Paraíso ficou conhecida, durante os três anos — de 1951 a 1953 — período que frequentei aquela escola.

Como nossa turma era pequena, pois começamos o 1º. Ano com 16 alunos e terminamos o 3º., ano com 11, e por ser um curso noturno, nos tornamos muito unidos e mantivemos a união em todas ocasiões. União tão forte e notável que o diretor, Monsenhor Mancini, logo no início do curso, percebendo que éramos muito exclusivistas, separados os outros alunos, comentou o fato, dizendo que parecíamos um amontoado de ilhas. Sim, ilhas de egocentrismos, dizia ele, forçando nossa integração. E depois nos chamou de arquipélago. Foi o quanto bastou para assumirmos o apelido, com o qual ficamos conhecidos naqueles três anos, na ETC.

Aí sim, que o isolamento aconteceu. Se éramos uma turma heterogênea, tínhamos em comum o fato de quase todos trabalhassem de dia e tinha pouco tempo para a integração com os colegas mais jovens, das outras classes.

Havia muitas diferenças entre nós; porém quando estávamos reunidos formávamos uma turma muito legal, cada qual contribuindo para que as poucas horas que juntos convivíamos se transformassem em horas de lazer, mais do que em convivência forçada pelo horário escolar.

O Arquipélago era constituído por onze ilhas, oito moças e três rapazes, assim nominados: Enny (Mumic), Maria Augusta (Bérgamo), Terezinha (Avelino de Souza), Maria Constância, Luzia (Gomes), Glorinha (Amorim), Marly Tubaldini), Rejane (Aloise), Jugurta (Lisboa), Kelsen (Carneiro) e Antonio Roque (Gobbo-eu).

Jugurta era quem mais se destacava, tanto pela inteligência como por sua verve, seu bom humor, com uma gargalhada sonora, apelidando todo mundo, inclusive a si mesmo.

Assim, cada “ilha” tinha seu apelido, que podia mudar, de acordo com as circunstâncias (troca de namorado, por ex.). Além disso, ele, Jugurta, era o único dos três rapazes com disposição para mexer com o “João”, o esqueleto dependurado atrás da porta, que deveria servir para as aulas de ciência ou biologia,

Destacava a mão do João e escondia-a na manga do seu paletó, e ia cumprimentar a Glorinha, estendendo-lhe a mão descarnada — o que provocava gritos histéricos audíveis até na praça da matriz.

A Glorinha tinha a pretensão de ser “miss” qualquer coisa, um dia. Não era bonita, mas o corpo era escultural e ia à aula maquiada. Sapato de salto alto, saia justa e pasta para colocar um livro e um pequeno caderno, que não era volumosa a ponto de tirar-lhe a elegância. Namorou muito tempo um jogador de futebol e era motivo de constantes brincadeiras a respeito.

Rejane, muito ruiva e baixinha, bem humorada, gostava das nossas brincadeiras.

Marly, séria, concentrada, queria ser enfermeira. Não topava muito as brincadeiras, mas era colega para fazer “greves” e cometer outras “faltas”.

Constância era a mais séria. Estudiosa, não encarava muitonossas brincadeiras. Por isso, nem apelido tinha.

Terezainha Avelino era um “tipo”: morena, baixa, andava requebrando notavelmente. Não olhava para os lado, e tinha, por isso, o apelido de “Miss Panca” pois pretendia mostrar-se bonita (e era bem feinha de rosto) e elegante.

Luzia era a mais velha de todas, devia ter já uns 25 anos, érea muito, muito bonita: clara, cabelos negors, longos e ondulados caindo pelos ombros, olhos azuis, ia bem maquiada à aula. Linda de verdade. Pretendia namorar homens maduros e bem sucedidos, entre eles o Dr. José Spósito, médico de boa clinica mas solteirão inveterado.

Enny era magrinha e discreta. Estudiosa e inteligente, tenho certeza de que era a mais inteligente de todos nós.

Maria Augusta era baixinha, talvez metro e meio de altura, e namorava um rapaz, Lauro, que era um verdadeiro varapau. Faziam um casal esquisitíssimo.

De Jugurta já falei. Kelsen era filho do promotor de Justiça, o emérito dr. Wagner de Luna Carneiro, nosso professor. Não gostava de estudar, era “largado”, não se importava com as meninas, enfim, um tipo comum de filhinho de papai.

Quanto a mim...bem... seria muito chato falar de mim, pois acabaria por me elogiar – e “elogio em boca própria é vitupério” .

Assim foi o Arquipélago. Acabou-se na formatura, cada qual seguiu seu rumo, cada qual com suas histórias, e as ilhas, por motivos óbvios, se separaram — como num evento extraordinário de geografia física.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, crônica escrito em 1987.

Registro na série

INFINITAS HISTÓRIAS # 1097

em 20 / 11/ 2018.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/12/2018
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