Para entender o que é beat

O DIONÍSIO NIETZSCHEANO EM KEROUACK

Luiz Zanotti (UNIANDRADE)

Resumo: O objetivo deste trabalho é traçar uma correspondência entre e obra do escritor beat Jack Kerouac e a filosofia de Nietzsche. Vários autores foram levados a classificar o existencialismo dos beats, e mais especificamente, o de Jack Kerouac, como sendo um existencialismo de Kierkgaard, mas na sua obra O mar é meu irmão e outros escritos ( 2014), a idéia da beatitude da altura se coloca próxima ao existencialismo nietzscheano, como pode ser verificado nos comentários de Gaston Bachelard em O ar e os sonhos (2014, pg 16) que diz: “É tudo tão alto e sagrado lá no alto, bem no alto acima, e além de qualquer reação física”. Para Bachelard, Friedrich Nietzsche pode ser considerado o representante do complexo da altura, e podemos inferir com facilidade, com que naturalidade o gênio reúne o pensamento à imaginação, como num gênio, a imaginação produz o pensamento.

Palavras-chave: Geração beat; Filosofia; Nascimento da tragédia; Dionisio

O objetivo deste trabalho é traçar uma correspondência entre e obra do escritor beat Jack Kerouac e a filosofia de Nietzsche. Pelo fato de Kerouac ser visto como um fruto da religião católica, e mais precisamente do jansenismo americano. Vários autores foram levados a classificar o existencialismo dos beats, e mais especificamente, o de Jack Kerouac, como sendo o existencialismo conceituado por Kierkgaard.

Primeiramente é importante afirmar que não existe uma filosofia existencialista e sim “filosofias” existencialistas, pois o existencialismo, primeiramente preconizado pelo pensador Soren Kierkgaard, tem a sua continuidade nas idéias do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que vai ser um dos pilares do pensamento de Friedrich Nietzsche, até chegar na contemporaneidade da filosofia de Martin Heidegger e Jean Paul Sartre, entre outros.

Não podemos ainda deixar de citar outros pensadores, que apesar de não adotarem se considerarem filósofos, muito contribuíram com a evolução do pensamento existencialista, como é o caso do dramaturgo Samuel Beckett que trabalha em suas peças de uma forma privilegiada a questão existencial.

Seja como for, o importante é que, através destes pensadores, na segunda metade do séc. XIX aparece uma nova reflexão a partir do positivismo e do idealismo alemão. Estes pensadores estão mais preocupados com a compreensão da realidade da existência do que na construção de esquemas abstratos, como tinha sido trabalhado desde Descartes, Kant e Hegel.

Desta forma, este “novo pensar” que tem origem em Sören Kierkegaard , afeta profundamente o pensamento filosófico ao trazer de novo o corpo como plano pensante. Neste sentido, é importante frisar o pensamento de Descartes que proclama a famosa frase “penso, logo existo”, declarando o corpo como destituído da capacidade de obter qualquer tipo de conhecimento e privilegiando a mente, como a única possível forma de se ter acesso à realidade.

Esta forma de pensar tem sua quebra a partir do filosofo alemão Schopenhauer que percebe a importância corporal na obtenção do sentido da realidade, inaugurando uma nova fase que terá sua continuidade em Nietzsche, Heidegger, Sartre, ou seja, de uma forma geral vai influenciar toda a filosofia contemporânea.

Assim, após longos anos pensados a partir do paradigma idealista de Descartes, a filosofia voltava a desvelar a importância não somente do corpo, mas da mente, ou seja da totalidade do homem como uma existência em si mesmo e não simplesmente como um simples individuo que de fora do mundo procurava explicações para este mesmo mundo. O homem volta a ser um sujeito, um individuo que existe, que está no plano da realidade, ou como conceituara Martin Heidegger “ser-no-mundo”.

A partir deste momento, preocupa-se com a problemática do conhecimento a partir da existência humana, mas, abandonando a filosofia idealista que de Descartes a Hegel, que apesar de todas as suas peripécias retóricas acabavam por colocar Deus como a base do conhecimento.

O primeiro grande pensador existencialista, Kierkegaard, apesar se preocupar com a angustia dos homens, acaba por escapar para problemas religiosos, como a própria existência.

De uma certa forma, esta postura, seja como for, segue os postulados do idealismo alemão, na esteira do homem como razão lançados por René Descartes em seu “Penso, logo existo”, Para Schopenhauer, que, como vimos, traz de volta a importância do corpo em sua obra O mundo como vontade e representação (xxx) o corpo está na base filosófica da vontade humana, pois a partir de seu estado de pulsão está presente em qualquer tipo de natureza corporal vegetal ou animal.

Aqui, portanto, o corpo nos é objeto imediato, isto é, aquela representação que constitui para o sujeito o ponto de partida do conhecimento, na medida em que ela mesma, com suas mudanças conhecidas imediatamente, precede o uso da lei da causalidade e, assim, fornece a esta os primeiros dados. (SCHOPENHAUER, 2001, p.62)

Nietzsche seguindo a linha de Schopenhauer condena todas as formas de idealismo transcendental (o que inclui Deus), colocando o corpo como a única verdade existencial que possuímos. O filosofo alemão vai acabar com todas as antinomias tais como o mal e o bem, O conceito de antinomias, segundo Nietzsche, faz com que no universo tudo se explique pela ação ou rivalidade entre os princípios do bem e do mal. O Zaratustra nietzscheano vai rejeitar não apenas este dualismo moral, como uma série de outros dualismos, tais como o dualismo essência e aparência (ZANOTTI, 2012, p. 95)

Nietzsche (1999, p. 222) propõe, por meio de uma transvaloração de valores, uma nova maneira de pensar a realidade, a qual reelabora não somente a relação entre o bem e o mal e entre a aparência e a essência, mas também as relações entre o mundo sensível e o supra-sensível, o dever e a culpa, o corpo e a alma. Nietzsche está entre os precursores do pensamento pós-moderno que anunciam o reino do fragmento, do descontínuo, do múltiplo, do particular contra o geral, do corpo contra a razão. Entre aqueles que se posicionam contra a totalização, contra a teleologia das grandes narrativas e o terrorismo das grandes sínteses.

O contexto filosófico da pós-modernidade contesta a ideia de uma essência única e duradoura, propondo que esta depende da perspectiva pela qual é examinada, ou conforme nos apresenta o filósofo brasileiro Gilvan Fogel:

Um modo de ser aparecerá como o modo de ser por excelência sempre que o acento, o foco, o enfoque ou o interesse vier a incidir ou recair sobre este fenômeno ou sobre este aspecto – isto é, enfatizando para mais e melhor tornar visível “esta” dimensão da vida real. (FOGEL, 2003, p. 16)

O filosofo alemão não acredita no suprassensível e ataca a ideologia cristã por considerá-la um dos empecilhos da civilização ocidental. Em sua conceituação de ética ele ataca a ética cristã chamando-a de “moral dos escravos”. Pois, se possuímos duas éticas, uma dos cristãos e a outra dos senhores, qual seria a verdadeira?Para Nietzsche é aquela que dá a maior plenitude de vida.

Para Nietzsche esta moral subverte os valores, que deveriam passar por uma transvaloração, tirando o poder dos fracos, humildes, pobres e sofredores, devolvendo àqueles que possuíam a plenitude de vida, em outras palavras, aqueles, que como os gregos na época da tragédia grega, tinham como objetivos a vontade de potência, não temiam a aniquilação, aspiravam pela satisfação dos desejos, e assim por diante.

Heidegger, vai aprimorar a filosofiade Nietzsche ao afirmar contrariamente à Descartes, que o sujeito não é regido por um “Penso, logo existo” e sim por um “Existo, logo penso”. O seu pensamento é construído a partir de como os objetos são percebidos em nossa consciência.

Desta forma, ele se contrapõe à angustia. A angústia do homem não está no âmbito do religioso, e ele conceitua o “ser-para-a-morte”, um individuo que existe mas que tem consciência que poderá deixar de existir. Elimina a possibilidade de Deus como o fundamento da existência, superando o subjetivismo (idealismo) de Kierkegaard por ver o homem como um “ser-em-comum”, ou seja trazendo de volta o “corpo que morre” para a discussão filosófica. Heidegger translada as tendências do Existencialismo até o plano social através da ideologia marxista.

Na sua preocupação com a existência humana, o principal tema de Sartre foi a liberdade, pois considera que o homem é livre para fazer aquilo que quiser, tendo como único limite a sociedade que o circunda, enfim apresentando o existencialismo como um humanismo.

Ainda, é importante citar Samuel Beckett, que traz aos palcos, através do teatro do absurdo, denuncia sobre a solidão humana e a sua impossibilidade de transposição. Nesta proposição, o domínio do absurdo, do irracional é um "discurso" a espera do além-do-homem, porém, continua a serviço da expressão do absurdo do homem num universo ilógico, sem sentido. É a derrisão sob o aspecto da incoerência dos fundamentos das convicções religiosas, intelectuais e científicas que, tendo dado a sensação de segurança e estabilidade eterna ao homem do passado, já não o eram para o homem moderno, atingido pelo horror do pós-guerra.

No ensaio de Beckett sobre Proust, o dramaturgo oferece a sua opinião sobre as pretensões, metas e limitações do homem, sendo que a única certeza se apresenta como um solitário caminho para a morte, dentro de uma existência vazia e sem sentido.

A tragédia não diz respeito à justiça dos homens. A tragédia é o relato de uma expiação, mas não a expiação insignificante de uma quebra codificada de um acordo local, redigido por patifes para usufruto dos tolos. A figura trágica representa a expiação do pecado original, do pecado original e eterno cometido por ele e por todos seus socci malorum, o pecado de haver nascido. (BECKETT, 2003, p. 70-71)

Dentro deste cenário existencialista, é importante voltar a frisar que a filosofia de Nietzsche está extremamente entrelaçada com a arte, uma filosofia que não se resume simplesmente numa reunião de teses que fixam uma dogmática ou um conjunto de técnicas que estabelece uma metodologia, e sim; uma busca de abordar os problemas cruciais do homem dentro da modernidade.

Uma filosofia que seja a própria experiência da vida numa perspectiva estética, onde o riso aparece como a possibilidade de reverter perspectivas fossilizadas de filósofos ridiculamente sérios e com a pretensão de construir grandes sistemas metafísicos baseados em forte dogmatismo.Para Nietzsche, o pensamento só pode ser considerado genuíno quando como numa musica nos convide para a uma dança.

A profunda ligação de sua filosofia com a sua arte poética vai ocasionar uma linguagem totalmente articulada com o seu conteúdo filosófico. É a partir de manifestações artísticas e conteúdos filosóficos que Nietzsche vai iniciar sua reflexão em O nascimento da tragédia (2003). O nascimento da tragédia está associado tanto à filosofia de Schopenhauer através do seu conceito de vontade, mas principalmente à música de Wagner em seu aspecto de uma possível redescoberta neste autor da musica trágica.

A música dionisíaca da tragédia grega teria a propriedade de criar um turbilhão que aproximaria a vida e a morte, e desta forma confundiria a compreensão humana, impedindo a tentativa de qualquer explicação a ser dada através da racionalidade instituída pela modernidade.

Nietzsche vai propor que a manifestação da arte trágica traz consigo toda uma abordagem da construção da realidade que se dá através dos impulsos apolíneos e dionisíacos. O impulso apolíneo vai desempenhar m papel dentro de uma dimensão dos sonhos e das artes plásticas.O impulso dionisíaco, que foi assimilado a partir dos rituais dos povos bárbaros, dentro de uma dimensão de embriaguez, vai propiciar a perda das barreiras da individuação, com a consequente ameaça da aniquilação do indivíduo.

A arte é a união do apolíneo (escultura) e dionisíaco (musica), o poder da ilusão e a força da intoxicação, o mundo dos sonhos e do sofrimento (para mim existencialismo), principio da individuação e do uno.

Antony Storr (1995, p. 190) fala que Nietzsche sugere “improvisação no piano” pode servir como um modelo de prosa escrita que pode escapar da convencional, o que significa a própria prosa espontânea de Kerouac.

Assim, os anos 50 são formados de uma geração de rebeldes, os beatniks, que buscaram viver a margem do sistema, a partir de valores próprios, dando prioridade ao desfrute da vida, ao “ aqui e agora”, longe das marcas agostinianas, e cartesianas, do suprassensivel. A música de Parker se mostra como uma alternativa num momento crítico dos tempos, dentro da dicotomia apolíneo/dionisíaco que Nietzsche apresenta no Nascimento da tragédia.

Storr (1995, p. 191) enfatiza o privilegio da racionalidade nas aptidões humanas, enquanto o dionisíaco está ligado às paixões, sentido, libido, enfim tudo o que somos de irracional, enquanto Nietszche afirma que para mantermos o nosso equilíbrio emocional, temos que ter um balancemento entre estas duas pulsões.

Parker busca a sua indulgencia e sua eventual self-destruction através da tragédia dionisíaca.Esta viagem da consciência, que depois viria a traves de Thimoty Leary. Uma das primeiras manifestações do nomadismo contemporâneo que busca a liberdade deste ir e vir. Lembro novamente que movimento é vida para Nietzsche e Hieráclito, esta necessidade beat de por o pé na estrada.

A viagem física esta ligada sempre ao corpo, pese o seu espírito dionisíaco, também é caracterizada por uma extrema preocupação existencialista que dominava o cenário europeu.Esta sensação de vazio e um sentido de nada se tornou o motor da busca de um sistema todo movido pela estrada como sinônimo de liberdade e de angustia.

O espírito dionisíaco resiste a se submeter a parâmetros pré-concebidos, um espírito que se manifesta na espontaneidade, na celebração da vida, nas pulsões e na vontade de poder. Mas o espírito apolíneo também presente no sentido de estabelecer uma nova ordem, ou de dar sentido a própria existência.

Aproximidade de Kerouac com Nietzsche pode ser observada na obra O mar é meu irmão (2014), e mais especificamente no conto “Sozinho no topo da montanha” quando relata a idéia nietzscheana de rebanho

o homem inventor de signos é ao mesmo tempo o homem cada vez mais agudamente consciente de si mesmo; somente como animal social o homem aprendeu a tomar consciência de si mesmo - ele o faz ainda, ele o faz cada vez mais. Meu pensamento é, como se vê: que a consciência não faz parte propriamente da existência individual do homem, mas antes daquilo que nele é natureza de comunidade e de rebanho;...”(Nietzsche, 2003, p. 201).

Para Kerouac este rebanho esta presente nos seus estranhos e doces pensamentos que brotam, assim como em Zaratustra, nas solidões montanhosas:

QUE ESTRANHOS E DOCES PENSAMENTOS brotam nas solidões montanhosas! – Certa noite percebi que, quando tratamos as pessoas com compreensão e estímulo, uma expressão de humildade estranha e infantil lhes perpassa os olhos envergonhados, não importa o que estivessem fazendo, não estavam certas de que fosse correto – cordeirinhos espalhados por toda a face desta terra. (KEROUAC, 2014, p. 32)

Esta proximidade aérea com as montanhas de Kerouac, aproxima com certeza do pensamento de Nietzsche, que segundo Bachelard, (2014, p. 16) conceituava o filosofo alemão como um representante do complexo da altura, pois via com facilidade, com que naturalidade o gênio reúnia o pensamento à imaginação; como, num gênio, a imaginação produz o pensamento. Ele nos ajuda a sobrepujar porque obedece a imaginação dinâmica da altura.

Mas, apesar, desta primeira aproximação, assim como Zaratustra, é no espaço terrestre que Jack Kerouac, buscar a sua liberdade de imaginação, pensamento e consciência , do êxtase dionisíaco da celebração da vida e do desapego ao mundo material, servindo-se como contraponto ao mito do sucesso americano.

Os beatniks optaram por uma mobilidade constante, pelo desfrute da vida à margem do sistema, de uma forma de rebelião de resistência passiva e indiferente levados pela pulsão dionisíaca.

Este ir e vir passa a ser um prazer da viagem nela mesmo, o resultado de uma crise existencial que representa a tragédia do homem moderno e que busca espaços para depositar a esperança.

Com relação a On The Road (2012), o personagem Sal é racionalmente sedentário mas emocionalmente nômade, e esta contraposição (Apolo x Dionísio) irá se acentuando na sucessão de viagens, definindo o conflito interno entre o apolíneo e o dionisíaco, entre o falar espontâneo e festivo e a necessidade da ordem e da estrutura. Devemos celebrar a vida e aceitar a morte como parte dela.

Sal,companhia constante de Dean, entendeu a revelação de Sileno que significa celebrar a vida e aceitar a morte como parte dela. Sal logra derrotar o Moloch, como veremos em outro artigo derrotar esta pura maquina.

Para a pulsão dionisíaca a plenitude se encontra na improvisação e nas mudanças constantes, Dionísio renuncia a qualquer forma de ordem que limite a espontaneidade ou seja, a prosa espontânea e o jazz bep-bop.

Numa das passagens Sal dis para Dean que teria instantaneamente reconhecido na vida uma mera espera pela morte que então todos nós estávamos vivendo, ele diretamente não podia fazer nada a cerca disto e Dean concorda com ele (KEROUAC, 2012, p. 198). Este é o espírito dionisíaco em sua afirmação da vida em todas as suas manifestações.

O momento presente empurra a seguir viagem no encontro de novas experiências. Desta forma, Jack Kerouac afirmou que a Geração Beat era um movimento Dionisíaco.

Se Kerouac teve consciência no sentido genealógico, ou não teve, quando começou a ver o que isto criaria para o movimento isto não tem uma grande importância, a importncia esta em que foi Kerouak quem plantou em sua estética paralelamente aos sátiros e as ninfas, tendo em mente o movimento da dança, dos pés dançando vertiginosamente ao som dos címbálos. Para ele Dean Moriarty assumia o lugar pelo cortejo de Dioniso.

Os beats vão utilizar bateria, contrabaixo, saxofones, trompetes e pianos com tecladosalucinantes e notas que seguiam dentro de uma prosa espontânea. Dai Kerouac lembra que o piano lançou uma acode monocórdio que parecia dizer : O que estamos fazendo neste mundo de merda? (KEROUAC, 2012, p. 246)

Para Kerouac, os beats estavam ali, transando com o inferno e com a amargura de nossa própria e exausta vida nessas horrorosas ruas do homem. Outra relação entre o deus grego e a personagem norte-americana Dean Moriarty permeiam o mito do surgimento de Dioniso.

Conforme afirma Commelan (citado em ALEXANDRE, 2016, p. 5):

Dioniso era filho de Zeus e Sêmele, princesa tebana, filha do rei Cadmo. Como acontece com todas as amantes de Zeus, Hera enciumada se disfarça de sua ama, aconselhando Sêmele a pedir que Zeus aparecesse na sua forma divina. A moça assim o faz e Zeus não pode negar esse pedido. Ao aparecer em sua forma divina, o deus emitiu raios e relâmpagos, incendiando o palácio e a pobre moça. Mesmo Sêmele estando em chamas, Zeus conseguiu retirar de seu ventre o bebê, acabando por gerá-lo em sua própria coxa. Ao longo de toda a juventude de Dioniso, teve que ser protegido da ira de Hera, ficando, também, afastado do Olimpo.

Ainda segundo Alexandre (2016, p. 6), a personagem Dean Moriarty, também se vê órfão de mãe e a figura paterna e se identifica como uma personificação dos bares de sinuca de Denver. Dean pede esmolas para que o velho pai, possa cultivar o seu habito alcoolista pelo vinho. Dean e Paradise, assim como todos os beats são pessoas em movimento, assim como Nietzsche, como veremos finalmente considera a vida e a própria existência.

Enfim, longe de Kerouac ser um jansenista existencialista em busca de uma cura espiritual, Kerouac, pelo menos em Pé na estrada, traz toda uma influencia dos cultos a Dionísio, cultos onde trienalmente, em pleno inverno, um grupo de mulheres descalças e com vestes ligeiras ( tiaso) subiam as altas montanhas cobertas de neve para executar correrias e danças frenéticas (oreibasia) ao som de flautas e tamborins. Estas mulheres chamadas de “bacantes” apanhavam um animal e o dilaceravam (sparagmos), e comiam-no cru, (omophagia) alcançando assim um estado de êxtase.

Existem ainda referencias à grupos de mulheres embriagadas ou simulando que se encontravam "possuídas", endemoninhadas, lançando sobre si cinzas e pó, estas seguidoras de Dionísio refugiavam-se em locais ermos para, em contato com o ar livre e a natureza selvagem, exorcizar a "possessão". Estes grupos femininos que perambulavam pelas montanhas e bosques num estado de permanente frenesi, alimentando-se de ervas, bagas silvestres e leite de cabra selvagem, porém segundo o senso comum era Dionísio que as alimentava. A mulher atingida por esta possessão visualizava estranhas figuras, ouvia o som de flautas e caia num profundo paroxismo, sendo atacada por um furor irresistível de dançar.

Nietzsche apresenta a dança como sendo a própria vida, pois assim como a vida, a dança é sempre movimento, sempre mutável. Esta característica da vida aparece com incrível clareza na seguinte passagem: “(Zaratustra) Certo dia, estava a caminhar com os seus discípulos quando se deparou com jovens a bailar num verde prado. Ao perceberem a sua presença, elas pararam imediatamente de dançar”. (Nietzsche, s/d, p. 42).

Neste canto Nietzsche demonstra a sua critica ao dogmatismo, ao mostrar que os que julgam a realidade como sendo estática, são os que se furtam a conhecê-la. Buscando apreendê-la, dela se afastam; querendo capturá-la, fazem com que lhes escape. A realidade não é nem transcendente nem virtuosa, nem casta nem etérea, ela é apenas mutável, ela é “um pé na estrada”.

Referencias bibliográficas:

ALEXANDRE, Nelson. O dionisíaco na personagem Dean Moriarty em On the road, de Jack Kerouac. Disponível em http://literaciacentrodeestudos.blogspot.com.br/. Acesso em: 3 jan. 2016.

BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos. São Paulo. Martins Afonso,2001

BECKETT, Samuel.Proust. São Paulo. Trad. Arthur Rosemblat Nestrovski. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

KEROUAC, Jack. Pé na estrada. São Paulo: LPM, 2012

_____. O mar é meu irmão. São Paulo: LPM, 2014.

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das letras, 2003.

_____. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Circulo do Livro, s/d.

____.A gaia ciência. São Paulo: Martin Claret, 2003.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Contraponto editora, 2001.

STORR, Antony. The Dionysian Self: C.G. Jung's Reception of Friedrich Nietzsche. Nova York: De Gruiter, 1995.

WALDMAN, Anne (org). The Beat Book. Poemas and Fiction of the Beat Generation. Boston: Shambala, 1996.

ZANOTTI, Luiz Lampião: Texto, tela e palco. São Paulo: Catrumano, 2012.

Luiz Zanotti
Enviado por Luiz Zanotti em 10/02/2019
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