SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

SOPHIA E O ABSOLUTO

Em adolescente, ela tinha os livros de Sophia espalhados pela casa prontos a serem abertos numa determinada página para acesso direto a Oriana a fada, à Menina anfíbia da praia e do mar, a Isabel e ao professor de Música da Floresta, a Joana e a Manuel encantados na Noite de Natal, ao solene cavaleiro da Dinamarca e às flores exóticas no baile maravilhoso em redor da estátua do Rapaz de Bronze. Era um mundo de sonhos, de fantasia e de uma extraordinária beleza que ajudava a encarar a vida e os seus desaires como se de acidentes se tratassem.

A autora dessas histórias infantis com a sua narrativa sempre poética e um estilo que se tornaria inconfundível e que talvez só os adultos fossem capazes de apreciar tinha um apelido nobiliárquico, pertencia à velha aristocracia portuguesa e tinha nascido no Porto. Os seus antepassados foram condes e amigos de reis.Ela transportava dinamarqueses na sua genealogia,os Andresen.

Cresceu menina na belíssima Quinta de Campo Alegre ,”um território fabuloso com uma grande e rica família servida por uma criadagem numerosa”como ela própria recordaria…

Ingressou num Colégio de freiras e frequentou a Faculdade de Letras, enlevada pela História da Antiguidade Clássica e em particular pela Grécia Antiga farol da cultura e sabedoria ancestrais.

Em jovem e como leitor ele tinha ficado extasiado com o Padre de Varzim e a sua intervenção simples e heróica num dos contos exemplares de Sophia, “O jantar do Bispo”em que os valores da Moral se degladiavam com as injustiças sociais evidentes e a supremacia abusiva dos poderosos.Uma das falas do protagonista ecoaria durante décadas na sua cabeça:

“Da nossa própria fome, podemos dizer que é um problema material e prático.A fome dos outros é um problema moral”.

Ele levaria à cena em contexto académico uma adaptação dessa história inflamada em duas versões separadas entre si por mais de vinte anos.

Sophia deu nas vistas nos meios literários pela sua distinção natural e a sua atitude liberal cristã.

Casou-se com um jornalista, político e advogado com um ar meio rude e com ele consumiu uma paixão de ideias, discussões, zangas, reconciliações e divórcio que produziu vários filhos, quase obediente ao jargão de “venham todos os que Nosso Senhor quiser”.

Sentiu-se mais identificada com o Partido Socialista liderado por um político um nada exibicionista visto como um misto de Papa, Imperador, a representar um papel de Mecenas acompanhado por uma vasta comitiva nas uas viagens presidenciais.

O jovem poeta Gastão , ainda professor no Colégio Moderno e ainda antes da revolução dos cravos, realizou um Recital na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa de aqueles que considerava os maiores poetas portugueses, Camões, Pessoa, Ruy Belo, Eugénio de Andrade, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Cesário Verde e ela, Sophia de Mello Breyner Andresen.A ele José, caloiro da Faculdade de Direito caber-lhe-ia recitar um inédito, copiado de um caderno manuscrito pela poetisa”E eu disse:Ainda vejo o céu e um ramo verde/um ramo verde…o cimo de uma árvore/E eu disse:Não mergulhei ainda…ainda vejo…”e um silêncio absoluto desceu sobre o Anfiteatro 1.

Sophia notabilizou-se como poetisa grandiosa e genial e assumidamente admiradora de Fernando Pessoa.

A casa, os objectos, e as árvores,os pássaros, o luar e principalmente o mar (a praia, as conchas e as ondas). O Mar surgiria como símbolo da vida. Tudo dele provinha e tudo a ele regressava. O espaço da vida, das transformações e da morte.

Ao contrário da cidade, espaço negativo que representava o mundo frio, artificial, hostil e desumanizado, o oposto contrário da Natureza.

Sophia reconheceria Lorca e Picasso como veios inspiradores da sua Obra.

Era de noite e no silêncio com uma bandeja e um bule de chá e também com um maço de cigarros que escrevia.

Outro tópico acentuado com frequência na sua obra seria o tempo: o dividido e o absoluto. O primeiro o da solidão, medo e mentira, enquanto que o tempo absoluto soava eterno, unia a vida e era o tempo dos valores e dos princípios.

Marta guardava os Poemas escolhidos de Sophia à cabeceira de todas as camas que tivera, nas casas onde vivera como elixir do amor e dos maus momentos.Sempre Sophia.Ao deitar, antes de receber o homem dentro de si, ao acordar e antes de se preparar para um dia de trabalho.

“És tu a primavera que eu esperava…Alexandre da Macedónia…Endymion…o Assassinato de Simonetta Vespucci”…e dezenas, centenas de poemas…diamantes valiosos e perenes que a acompanharam durante todo o seu percurso.

Sophia gerava a admiração pela Esfinge, a altivez da Diva, com o seu chapéu de sol, os óculos escuros, o colar e a sua voz distante e virtuosa.O gongo que anunciava as refeições na sua residência em Lisboa.Naturalmente a legião de admiradores rendia-lhe uma vénia.

Para o fim admitiria “Já estou muito velha.Não me apetece nada.Muito menos, a Poesia”

Ele insurgiu-se com a tacanhez e ganância que levou a esquadrinhar o espólio e a publicar quase tudo para fazer render mais dinheiro.Deixar cair o ídolo do pedestal.Mostrá-la humana e com ciúmes de uma outra escritora a quem fora atribuído um prémio.Que deixem as cartas em paz ,que interesssa que seja entre ela e o Jorge de Sena que poderia ser um expoente da Cultura mas a quem também faltariam outras coisas…

José pousou o livro com brusquidão no escaparate da livraria.

- Também achei.Concordo.Mais valia que não – disse Marta , metendo despudoradamente conversa.

- Há anos que a leio, sei muitos dos seus versos de cór – respondeu José com a naturalidade possível.

- Também eu.

- Qual o seu livro preferido?Aceita tomar um café?Estou deserto para falar.

- Parece um engate de rua sob o signo de um génio.

- E é.Ela é um génio!

Sophia de Mello Breyner Andersen coleccionou prémios e foi elogiada e adorada pelo valor hierático da palavra, a expressão rigorosa, o apelo à visão clarificadora, a riqueza de símbolos e alegorias, sinestesias e ritmo evocador de uma dimensão ritual.

Nela notava-se uma "transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita", na opinião de Manuel da Costa Pinto.

Seria sepultada no Panteão Nacional, elevada às alturas dos deuses e continuaria inabalavelmente presente na mente de milhares de leitores que apreciariam o seu bom gosto, a sua estética irrepreensível, a sua dimensão e o seu valor… absoluto.

José Manuel Serradas
Enviado por José Manuel Serradas em 22/05/2019
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