REI MAGO

REI MAGO

- Porquê Baltazar e não Gaspar ou Melchior? – perguntava intimamente o seu leitor virtual.

Não tinha sido rei nem sacerdote da religião zoroástrica da Pérsia ou conselheiro.

Era apenas um homem de corpo e alma , alto,humorado e apreciador da vida.

“Boa vida?”- conjecturava o outro.Decerto que não só.Um Lutador, ator em algumas cenas de terror como qualquer outro.

Também não seria astrólogo ou astrónomo nem vidente de uma estrela que conduzira o grupo dos três reis até ao local do presépio.

Era antes um historiador apaixonado, professor empenhado, pedagogo , poeta de talento, pai, avô, filho, amigo de muita gente, uma fotografia sorridente que representava uma volta na complexa cadeia da geração humana.E, no entanto e simplesmente um homem com genica, pujança e ideias algumas, muitas delas, brilhantes.

Não transportara o ouro, o incenso e a mirra ; era provavelmente e apenas uma alma aprisionada num local demasiado pequeno para os seus sonhos e aspirações.

Quando criou aquele grupo de seguidores virtuais advinhava-se o entusiasmo e a vontade de estabelecer um espaço especial em que a Poesia, a Prosa e as palavras poderiam fluir numa procura da estética e do sentido perfeitos…em liberdade consentida, respeitável e respeitada.Tudo isso.

O Ouro podia representar a realeza, o incenso a fé e a mirra, essa resina antisséptica usada em embalsamentos desde o Egito antigo, a morte, o martírio e a imortalidade.

De certa forma tudo isso estaria presente ali que não ingenuamente e com alguma sagacidade e sabedoria ele gostava de ver prosperar como uma semente que se lança à terra e faz crescer a árvore.

Do outro lado do oceano algures num país na ponta de um continente velho , um outro dos seus já muitos leitores virtuais começou desinteressadamente nos momentos solitários a observar as fotografias.

“Esta personagem, ao contrário de mim, deve gostar mesmo de viver.Tem um ar bem disposto.Mergulha na piscina, toma banho de sol estiraçado numa cadeira e é visível o prazer, o gosto.”

Não devia entediar-se com o whisky, a música sinfónica, os livros de mil páginas, as desencantadas idas ao clube de fitness para preguiçosas extensões e imperfeitos abdominais, as rotinas e a descrença.

Nem ficar deitado na cama tempos infindos a olhar o tecto enquanto lá fora chovia a potes.Sim, a amarga Nostalgia.

Conseguia fazer sorrir.Convencer que a vida valia a pena ser vivida.Até talvez porque não havia muitas mais opções.

Alguns poemas soavam a diferente…vivos, belos, palpitantes.Que tusa…

Pela primeira vez carregou numa tecla a exprimir um Gosto.Um Like mais precisamente.Quase que não se sentiu ridículo.Como uma inocente perda da virgindade.

Mas João era apenas um grão num extenso areal - novos e antigos membros que partilhavam diariamente aquele espaço, aquela praia onde o Mago chamado Melchior , Gaspar ou Baltazar cultivava a delicadeza , a amabilidade e a simpatia entre os que liam e os que escreviam, os que postavam e os que se retraiam.

Presumivelmente um grupo fechado.ao abrigo da escória,como seria isso possível?!

Aliás o Mago partilhava com naturalidade o seu quotidiano no trabalho e fora dele, com os amigos, os companheiros, as personalidades que prestigiava, os eventos, e as pequenas grandes conquistas dos seus alunos.

Mas claro como em todas as micro sociedades alguns comentários deslavados surgiam de tempos a tempos,borravam a pintura,estragavam o conjunto, manchando o espírito original,a tal evacuação de sentimentos não nobres , rivalidade, ciúme “c’ est tout à cause de la jalousie” como explicava o professor Bambou, um respeitável astrólogo mundano.

Sentiram-no à distância justamente revoltado, farto e com vontade de explodir

” Pá, ás vezes tenho mesmo vontade de mandar tudo e todos para a …pata que os pôs!”

Sentiam-no esmorecer e queriam muito dizer-lhe “Por favor,não podes!”

- Porquê?

Visitadores de longe, pessoas que já o estimavam e admiravam e gostariam de lhe apertar o braço, puxá-lo e agradecer-lhe.

- Não podes porque és como se fosses o nosso… Rei Mago.É claro que não demoraste nove dias para chegar a Belém mas um pouco mais do que isso para nos aquecer a alma e confortar o nosso coração!

Mas o Rei Mago naquele instante, não queria saber disso .Tencionava curtir simplesmente…talvez nadar umas braçadas na piscina,provar um bom vinho mais tarde , transar na cama com a sua companhia numa palavra… espairecer.Tinha esse direito. Depois logo se via.

José Manuel Serradas
Enviado por José Manuel Serradas em 09/08/2019
Reeditado em 12/09/2020
Código do texto: T6716287
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