Na Rua

Estou na rua. Desisti de ser a casa onde tu ficas, a cama onde te deitas, a malga em que bebes o caldo e aqueces as mãos. Ias, vinhas, ficavas e tudo o que se escurecia de silêncios passava a ser deserto, com a vida presa dos teus lábios mudos, dos teus olhos distantes, da tua pele insensível, fria, quase ausente. A pior coisa era ter-te muito longe ali ao lado. Por isso, saí eu, vesti-me de toda a gente que por aqui anda, meti-me entre as pedras da calçada, sinto os passos, vejo, limpo ou sombrio, o céu que há. Sinto o abraço das casas, a poeira do mundo, o vento a alisar arestas, por vezes a zunir melodias ásperas. Aprendi o frio, o calor, o tempo morno, a água da chuva, o regurgitar das valetas, as mulheres, os homens e os meninos. Sei distinguir os gritos, as vozes, o sussurro das árvores sob o ruído dos carros com pressa. De tanto aqui ficar, de tanto que te quis longe mas muito perto, poderia ser eu a tua rua não fora teres mais que uma, muitas ruas, outros lugares por onde te repartes sem ficar. Um dia vais querer que volte, noutro nem de mim te lembrarás.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 25/05/2021
Código do texto: T7264022
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