Prévia do livro: Um dia de cada vez memórias de uma família (Uma escolha)

Uma escolha

Netinho, irmão de Ernane, morava em Brasília. Ele veio a Patos de Minas e levou seus irmãos para ingressar no mercado de trabalho e no Exército Brasileiro. Isso aconteceu no início da fundação da Capital do Brasil. Seguindo os bons exemplos do irmão, Ernane serviu o Exército por vários anos, até ser surpreendido por uma Tromboangeíte obliterante, ou também chamada Doença de Buerger, uma doença vascular inflamatória oclusiva, que impede a circulação sanguínea no local afetado. Acomete principalmente jovens fumantes. Ele fumava, diariamente, dois maços de cigarro Hilton longo por dia. Teve conhecimento de que contraíra após sentir dor no dedão do pé esquerdo. Seu médico pediu-lhe que parasse de fumar. Não confiante, continuou fumando. Tendo poucas informações a respeito do tabagismo e, vendo ser permitido fumar nos ônibus, escritórios e hospitais eram permitidos fumar, isso fortalecia sua descrença, ou melhor, se os próprios médicos fumavam, ele pensava que poderia fazê-lo também. Essa doença faz parte das vasculites, um grupo heterogêneo de doenças que têm em comum inflamação da parede do vaso sanguíneo. De tanta insistência em fumar, foram surgindo mais inflamações de repetição no membro inferior e coágulos nas artérias, impedindo a circulação sanguínea. Os membros atingidos passaram a ter isquemia (morte dos tecidos) por falta de circulação. Assim, apesar de várias cirurgias, o primeiro membro esquerdo “morreu”. A única solução foi amputar a perna até no meio da canela. O Exército pagava todas as despesas hospitalares. Aposentou-se, juntou dinheiro, mudou-se de Brasília para Patos de Minas e conheceu Valdeci na casa de encontros de minha tia Maria Alves, irmã de meu pai. Ele a convidou para morarem na casa popular que comprou do Governo, e ela prontamente aceitou o convite. Valdeci começou a cuidar dele. A cada tempo, amputava uma parte do corpo. Mesmo com a amputação dos membros, conseguia multiplicar sua aposentadoria. Teve uma filha com outra mulher. A mãe dela exigiu uma pensão. Por falta de pagamentos corretos, foi detido. Ele chamou o advogado, e fizeram o acerto devido. Bom administrador, conseguiu comprar um lote e fazer uma casa com piscina. Ao mudar-se para a casa nova deixou a popular para o irmão Arnaldo morar. Bom de prosa e com muitos amigos, entre eles médicos e donos de imobiliária, isso facilitou para que Ernane conseguisse investir dinheiro. Ele aproveitou a oportunidade de um empreendimento de condomínio fechado de um empresário amigo e conseguiu comprar vários lotes para fazer uma minichácara. Construiu uma bela casa, fez tanques de peixe, formou pomar de frutas, piscina, engenho manual de moer cana, um lugar atrativo para vários visitantes. Eu gostava de ir à chácara moer cana e tomar caldo. Os macacos ficavam à espera para beber o caldo. Ernane estava sem pernas; das duas mãos, restou um pedaço dos dedos polegar e mínimo. Seu hobby principal era realizar a monda do jardim. Rastejava por todo ele, de canto a canto. Por último, não havia mais lugar para ser amputado. Surgiu, então, mais uma isquemia, dessa vez na bacia e nas nádegas, sendo possível ver as partes dos órgãos. Com o efeito da morfina, surgiram surtos de alucinações. Segundo ele, o efeito alucinógeno parecia tão real, que, nas crises, solicitava-me que lhe fizesse um mini caixão para sua sepultura. O desconforto da última cirurgia foi tão grande, que ele mesmo dormia descomposto. Ele confessou que, ao se deitar, sentia a pele do tórax enrolando no sentido do pescoço. Moral da história: no dia em que foi diagnosticada a doença, se tivesse aceitado o regime que o médico prescreveu, a doença teria paralisado.

A doença e ele teria vivido um pouco mais e melhor. Segue um diálogo entre nós: — O que esperar da vida, Ernane? — Espero aguentar a carregar a cruz até meus sentidos adormecerem. — Porque não para de fumar? — É tarde para parar de fumar. Agora vou deixar a vida me levar. Percebi que sua mente estava fechada, então mudei o assunto.

Mais vale sofrer sem as drogas ilícitas ou lícitas do que sofrer com elas, pois assim eu fico com qualidade de vida e com uma longa existência pela frente. Drogas? Estou fora. Paz e esperança para todos.

Fábio Alves Borges

Fábio Alves Borges
Enviado por Fábio Alves Borges em 19/09/2021
Código do texto: T7345601
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