BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - O PRESENTE EM BUENOS AIRES

Com a supervisão de Ricardo, seu filho Rodrigo liderou as tratativas de negociação da Planagri com a empresa francesa Albioma. Foram meses de intensas negociações, queda de braço, um verdadeiro jogo de xadrez. Concluída a venda da Planagri para os franceses, Rodrigo foi presenteado pelo presidente da Albioma com uma luxuosa caneta Mont Blanc.

Ricardo nunca foi ligado em bens materiais, mas era do tipo que adorava receber presentes. Rodrigo, empolgado, foi contar a novidade para o pai. “Conseguimos vender por aquele preço, pai. Batemos o martelo. Foi um grande negócio!”, disse. Feliz, Ricardo parabenizou o filho. “Parabéns, Rodrigo. Você teve a paciência necessária para não ceder mais do que a gente podia, foi sim, um grande negócio”.

Algumas palavras a mais sobre os pormenores da negociação e Rodrigo saca do bolso a emblemática caneta. “Olha, até ganhei uma Mont Blanc do chefão lá!”. Ricardo corou de ciúmes. “Uai, mas eu não ganho não?!”

Fingiu estar meio ofendido por não ter sido presenteado. Não estava ofendido, fazia charme. Mas no fundo, ele gostaria de ter recebido um presente também. Sentiu que foi esquecido, preterido. Era o tipo de situação que o incomodava. Em tom de quase brincadeira, pediu ao filho: “Pode cobrar dele lá uma Mont Blanc para o seu pai também!”.

Em casa, ele chegou a comentar a situação com Myrinha umas duas vezes. Alguns dias se passaram e não se tocou mais no assunto. Pareceu mais uma brincadeira de momento, uma de suas manias.

Algum tempo depois, próximo do aniversário de Ricardo, o casal resolve fazer uma viagem a Buenos Aires, na Argentina. Ainda pensando na decepção que Ricardo ficou por não ganhar a Mont Blanc, Myrinha resolveu que iria fazer uma surpresa e comprar para ele a sonhada caneta. Procurou no FreeShop e não encontrou. Num dia que estavam passeando no cemitério da Recoleta, o mais famoso ponto turístico da cidade, Myrinha descobriu que havia uma loja da Mont Blanc perto.

Ricardo já se locomovia com a ajuda da cadeira motorizada, a famosa motinha. Estavam numa pracinha em frente o cemitério. Numa parte alta. A loja ficava numa galeria, na parte baixa. Próximo, mas inacessível para Ricardo. Havia uma escadaria. Myrinha viu ali a oportunidade: “Ricardo, me espera aqui um pouco que vou ali numa loja ver se encontro algo!”. Ricardo, imaginando que seria algo bem rápido, concordou sem questionar. Ficou lá na pracinha, na sombra.

Chegando na loja, ela viu a cobiçada caneta. Comprou. Acontece que essas coisas mais chiques há todo um protocolo de glamour. A atendente colocou numa caixa, em mais outra, e mais outra e foi embrulhando, até ficar um volume grande. Para não causar desconfiança, Myrinha, ao sair da loja, desembrulhou todas as caixas e colocou a caneta na bolsa. Não iria chamar a atenção. E foi ao encontro do marido, que já devia estar agoniado.

O tempo passou de forma diferente para ambos. Para ela, foi bem rápido, estava ocupada descendo e subindo escadas, olhando lojas, escolhendo caneta, tirando embrulho. Para ele, o tempo foi lento, não passava. Ficou lá olhando o movimento dos pássaros nas árvores, os turistas passando pelas ruas, os cães latindo. Se sentindo meio que perdido, sozinho, numa terra estranha.

Myrinha chegou, ofegante pela caminhada e pela empolgação de ter conseguido encontrar o presente. Ao chegar, notou que Ricardo estava com cara de poucos amigos. Bem sério, virou-se para Myrinha e disse: “Olha, eu só vima Buenos Aires para ficar com você. Se for para você me largar aqui no meio da praça, sozinho, eu quero ir embora para o Brasil agora mesmo!”.

As palavras caíram como uma bomba para ela. Ficou totalmente sem palavras. Ricardo continuou seu discurso: “Eu não vim aqui para você me largar sozinho no meio da praça para ir passear. Se for para ser assim, a gente pode olhar as passagens que vou embora agora!”.

Tentando acalmar o marido, Myrinha minimizou a situação: “Não, Ricardo, que bobagem. Desculpa, eu achei que não fosse demorar, mas já estou aqui com você e não vou sair do seu lado”, disse.

Continuaram o passeio. Ricardo demorou a se acalmar, mas foi cedendo aos poucos. No dia do aniversário dele, Myrinha lhe entregou a tão esperada caneta Mont Blanc. “Olha aqui, Ricardo, o motivo que deixei você sozinho na praça”.

Ricardo ficou emocionado com o presente e quase sem palavras: “Ah, foi por isso, então?”. “Foi, uai”, ela disse. Aí, já rindo, Ricardo se mostro grato: “Obrigado pelo presente. Agora está perdoada por me abandonar lá na Argentina!”

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 17/05/2022
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