BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - O DIFÍCIL ADEUS À CONSTRUTORA

Renato e Ricardo eram muito mais do que sócios em uma empresa de construção civil. Eram melhores amigos. Eram como irmãos. Desde o momento em que se conheceram na faculdade de Engenharia, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se identificaram um com o outro e passaram a andar juntos, passarem muito tempo estudando, conversando e saindo para comer pizza.

A família Biagoni - tradicional em Belo Horizonte – acolheu Ricardo como filho. A família Lage – tradicional em Goiás – acolheu Renato como filho. Os dois tinham muitos amigos em comum e se tornaram praticamente uma irmandade.

Na mesma sala de aula na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ricardo e Renato começaram a marcar grupos de estudos em suas casas, após as aulas. Levaram muito a sério o curso e se viam como brilhantes engenheiros no futuro. Entendiam o percurso que deveriam trilhar para alcançar os objetivos.

Em uma dessas conversas após os estudos, ainda estudantes, decidiram que poderiam abrir uma construtora juntos, de sócios. Entendiam-se bem e tinham ideias parecidas, não tinha como dar errado. Começaram a montar as planilhas, tabular custos e estudar uma possibilidade de tirar o sonho do papel.

O sonho era ter uma construtora grande, de paredes de vidro, com ampla recepção e luminosos letreiros na Avenida Afonso Penna, no coração de Belo Horizonte. E de lá conquistarem o mundo, construindo arranha-céus e ganhando rios de dinheiro. E depois, ganharem terreno e começarem a construir edifícios no Brasil inteiro. Era o plano. Mas precisavam começar por baixo, dentro do que a realidade permitia.

Ricardo não tinha dinheiro no banco para investir. Não tinha crédito no banco para tomar dinheiro emprestado. Tinha um Fusca, o carro que andava pela cidade. Após a formatura, como uma espécie de prêmio, o pai trocaria o carro velho por um novo. Era um incentivo que dava aos filhos. Ricardo pediu a sua parte em dinheiro, o dinheiro que seria o complemento do Fusca velho para o novo. Iria investir toda a grana para entrar de sócio com Renato e montar seu próprio negócio. E assim fez.

A sede inicial da empresa não foi um escritório de vidraças na avenida principal da cidade. Foi em uma garagem na casa de Renato. Uma garagem cedida pelos pais de Renato. Uma estrutura improvisada e nada glamorosa. Mas era o que havia e o que dava para começar a caminhada.

Muitas bandas de rock e inúmeros negócios de tecnologia tiveram início em uma garagem. E depois se tornaram grandes, conquistaram o mundo. Ricardo olhava a situação e conseguia ver ali uma fagulha de algo épico nascendo. Teriam uma história para contar aos netos.

Quatro anos se passaram e a construtora havia passado por algumas fases. O início difícil, sem portfólio, vendendo ideias, batendo em portas difíceis de abrir. Graças ao prestígio da família Biagoni na cidade, eles conseguiram os primeiros serviços. Trabalhavam de cedo até à noite para conseguir entregar as demandas. Conseguiram os primeiros, depois as coisas foram acontecendo naturalmente. Investiam o lucro e fizeram a construtora crescer. Ao fim de quatro anos, já tinham nome no mercado, já tinham obras a mostrar, já haviam ganhado algum dinheiro e se sustentavam graças à empreiteira.

Um dia, após uma reunião de rotina na construtora, Renato diz a Ricardo que está com pressentimento que ele deixará a sociedade e voltará a Goiás. “Que besteira, Renato! Minha vida é aqui em Belo Horizonte. Estou muito feliz com a construtora, com os rumos que os negócios estão tomando”, disse Ricardo na época.

Algum tempo depois o pressentimento se tornou realidade. Ricardo recebe o telefone do pai, pedindo para retornar a Goianésia com a missão de liderar a Planagri, empresa de sementes da família. Ricardo teve a partir disso conversas muito difíceis: com a esposa, com o sócio, com os amigos.

Chamou Renato para conversar. Renato, pelo clima na voz do sócio, sabia que não era notícia boa. Ricardo, sem rodeios, explicou os detalhes da sua decisão. Que era irreversível. Disse lamentar muito não continuar no projeto que haviam iniciado, que acreditava no futuro da empresa, mas que seu lugar era em Goiás, ajudando a cuidar dos negócios da família.

Renato recebeu a notícia com muita tristeza. Consumido por dentro, não esboçou muita reação por fora. Foi frio com Ricardo. “Se é isso o que quer, vá com Deus, boa sorte!”. Não esboçou frases de apoio ou tentou demover o sócio da decisão. De poucas palavras, semblante frio e imóvel, Renato deu por encerrada a reunião e disse que ia seguir a vida. Que a construtora não iria parar e teria bastante sucesso.

Algum tempo depois, Ricardo recebe uma carta de quatro páginas do ex-sócio. Escrita de próprio punho, a carta explicava como ele se sentia com a dissolução da sociedade e com a decisão do amigo de partir.

“Talvez, no momento que você transmitiu seu pensamento eu tivesse sido frio. Unicamente frio, mas eu acho que foi por um instinto de autodefesa”, se desculpa no início da carta. “Eu não vou perder um sócio, o que sinto é que um irmão vai para longe, para um lugar onde eu não vou poder “brigar” com ele todo dia”, completa, mais à frente, Renato.

“Olha, estou te escrevendo e estou chorando. Mas estou chorando consciente, sabendo que você está indo numa boa. A melhor coisa da vida é quando tomamos a decisão consciente, sabendo o que queremos”, diz Renato na carta.

“Você parte com muita esperança e, Deus queira, tudo seja bom para você. A sua decisão é plenamente justa, não deixa ressentimento algum. Eu estarei aqui torcendo muito por você. Seu irmão de fé, Renato”. Assim, o amigo finaliza a emocionada carta, que Renato guardou para sempre.

A transparência com a qual Ricardo tratava todos os aspetos da sua vida foi uma marca que fazia com que até decisões que eram bem complexas fossem compreendidas. Ele não gostava de deixar coisas por dizer, não gostava de deixar coisas ditas pela metade ou meias verdades.

Ricardo fez as malas e rumou para Goiás, seguir seu destino, no agronegócio. Renato continuou com a construtora, que seguiu sua vocação e ergueu diversos prédios em Belo Horizonte. Em Goiás, na fazenda, Ricardo fez cumprir a “profecia” que o amigo escreveu na carta: “Tenho certeza que de vez em quando, numa hora em que você estiver no campo, mirando um horizonte distante, você se lembrará de nós dois juntos, do Sr. Nelson Peixoto, da Dona Ivete e estará torcendo por nós”.

Ricardo, de fato, às vezes era surpreendido olhando para o nada, fabulando ideias distantes. Alguém próximo perguntava: “Pensando em que, Ricardo?”. Ele sorria brevemente e despistava: “Nada não, nada não”. Nesses momentos ele estava de volta ao escritório em Belo Horizonte, com toda a força do seu pensamento. Não era saudade triste, era apenas saudade de um tempo que era feliz de outro jeito.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 30/06/2022
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