A UMA VENERANDA POETISA

Caríssima poetisa,
Acabo de ler sua mensagem (indiretamente a mim enviada através de um seu amigo), que me deixou absurdamente perplexo.
A princípio pensei silenciar seguindo aquela máxima que diz: "Quando o silencio vale mais do que as palavras, deve-se guardar o silêncio". Mas algumas considerações falam mais alto e, como estamos no campo da palavra escrita, sabemos que ela tem em si mesma conotações distintas que nem sempre obtêm discernimento por parte de quem a interpreta. Daí por que, feita a sua justa contestação, cabe-me aqui exercer o meu sagrado direito de réplica.
Não tive a intenção de ofendê-la com o meu comentário, tampouco expor sua persona publicamente. Usei o mesmo intermediário (seu"amigo")  que muito elogiosamente indicou-me a leitura dos seus textos, o que fiz prazerosamente. E se a Senhora tivesse lido o meu comentário alusivo ao seu talento, certamente não estaria assim tão inflamada, mas rejubilando-se com os afagos de que todos  os artistas gostam e precisam, principalmente quando publicados. Quem diz não gostar deles não é de fato artista ou é um fingidor ao avesso do que disse Fernando Pessoa.
Mas a Senhora é uma artista. Lida com a arte da palavra e, por consequência, é uma figura pública. Logo, invariavelmente, expõe-se à crítica. Quem não quer ir a público fica no anonimato. Quem se aventura na arte, expõe-se aos que a admiram e também aos que não a apreciam. Os mais célebres artistas, especialmente os escritores, não sobrevivem sem o acre- doce sabor de um comentário à luz da crítica. E se a senhora entende como "cobrança" aquilo que o bom senso chama de atenção e recíproca gentileza, sou eu que tenho a lamentar. Igualmente posso afirmá-la de que gosto de ser lido e comentado, pois do contrário, seria estéril essa encantadora ousadia de lidar com as palavras, levando-as a um texto. Apenas não me deslumbro e nem escrevo por vaidade, mas por inspirada paixão, descomprometido com quantidade. Não faço comentários a espera de alguém os "pagar". Peço-lhe que não me julgue com tão medíocre raciocínio. Isso não combina com sua alma poética. Prefiro imaginar não ter sido a senhora quem repetiu esse clichê: "Roupa suja não se lava na casa dos outros....." Ora, caríssima escritora, isto está muito aquém das suas qualidades como mulher inteligente e poetisa respeitada!
Ficam aqui as minhas desculpas pelo suposto "dano" sem a menor intenção de tê-lo causado. Espero que veja este meu pedido de perdão como um ato de nobreza dos que não se despem da humildade.
Se a Senhora tem intimidade com a literatura há de conhecer uma carta escríta por Antero de Quental a Antônio Feliciano de Castilho, famosa por ter sido o documento a partir do qual iniciou-se o Realismo em Portugal (Bom senso e bom gosto ), do qual transcrevo um fragmento aqui oportuno:

"As grandes, as belas, as boas causas só se fazem quando se é bom, belo e grande. Mas a condição da grandeza, da beleza, da bondade, a primeira e indispensável condição, não é o talento, nem a ciência, nem a experiência; é a elevação moral, a virtude da altivez interior, a independência da alma e a dignidade do pensamento e do caráter".

Isto foi uma carta-resposta de um jovem escritor a um experiente mestre preso aos padrões literários da época. (Alusiva a um comentário público).
Por fim, Senhora, espero que o Recanto das Letras seja sempre um espaço democrático, imparcial a qualquer tipo de episódio, nele não havendo mudança, nem sombra alguma de retaliação.
Respeitosamente,
HPMF
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 04/01/2009
Reeditado em 20/09/2010
Código do texto: T1366539
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