CARTA A LEONARDO HAINER

Brasília, 3 de junho de 2009.


Caríssimo Léu,


     As cartas não morrem jamais. Substituo aqui o verbo mentir desta frase que não é minha, parodiando-a para dar sentido à minha afirmação. Não há forma de correspondência mais próxima e mais íntima do que a epistolar. E eu que habitualmente não escrevo carta, faço-a agora destinada a ti, para não recorrer ao frio e impessoal e-mail. Sem dúvida que a nossa conversa de ontem motivou-me a continuar pela palavra escrita o que o tempo numa DDI limitou. E em que pese o som da voz nos dar a sensação de presença, aqui me sinto melhor e mais inteiro na grafia do pensamento que me leva a ti. Foram-se os meses que já contam anos, em cujo tempo e distância nossa amizade não se perdeu. Isto é uma atenuante à nostalgia da ausência, constituída de presença além fronteira.

     Tento organizar minhas ideias para retomar o que conversávamos. Viva a internete, que lança ao mundo a mais anônima criatura e alguém a descobre por um dado qualquer, no meu caso a literatura. Meus sonetos ”O Julgamento”, “A lágrima”, e por último “Soneto e Poesia” foram ao teu encontro virtualmente, movidos quem sabe, pelas ondas do poema “Meus Versos Navegam”, postados no RL. Aí tua ligação atravessou o Atlântico pela via poética, estabelecendo o contato. Talvez sejas o leitor a quem mais temo, por conhecer, mais que a obra, o autor. E essa análise, igualmente sincera e fiel como a tua  amizade, eu quero.

     Li a íntegra da tua tese. Encantado com o tema, não surpreso pelo teu talento. Nossa turma lançou gente promissora no mundo jurídico. E eu me orgulho de ti. Muito mais também por outra afinidade que nos aproximou: a literatura, que já antes do Direito apreciávamos. Éramos ainda adolescentes quando, pelos corredores do Marista, me vinhas com versos de Maiakovsky, que eu não conhecia, e os trocavas pelos de Manuel Bandeira, bem ao gosto daqueles teus impulsos. O poema NU:
“Quando estás vestida, ninguém imagina os mundos que escondes sob as tuas roupas”.
      E, vermelho, respiravas fundo, quase chegando à ereção... Nem vou aqui relembrar aquelas façanhas! Muito ficou de tudo e a lembrança não apaga o que a vida marcou. Do Jogo de Cena, em que me vistes dizer o Cântico Negro, de José Régio (E foi ali que descobrimos o Sarau Câmara) passamos a freqüentar o Clube do Choro, a 94,5 FM. Em tudo isto há marca da tua presença. O fato é que nossa amizade nos levou pelos mesmos caminhos a coisas semelhantes e tão identificadas, que hoje, mesmo longe, se tornam elo.

     Curti demais as fotos. Amsterdam é linda. E o liberalismo dessa cidade certamente te atordoa. Mas sei que teu curso é na França. Denise está em Genebra com Jéssica e Lucas. Bernardo, o ex-marido, está no Brasil. Aqui faz um friozinho imitando o europeu: 12º, mas houve noite em que chegou a 9º. A vastidão deste país gera contrastes: seca no Sul, chuva e alagamentos no Nordeste. Ironia que um poeta profetizou: “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão". Que dirá um sulista a um "pau de arara"?!...

     Brasília, enlutada pela perda do maestro Sílvio Barbato, te espera. O Pier 21, o Gate’s Pub, o CCBB, os Saraus SESC CÂMARA, eu, a Márcia, a poesia, a música, a vida e o Brasil. Estou numa rotina intensa de trabalho. A Procuradoria toma quase todo o meu dia, mas estou adorando o que faço. Quando algo me cansa, um verso me acalma diante da lide, do impasse recursal ou uma decisão. Isto foi algo que aprendi com o Dr. Humberto Gomes de Barros, com quem tive a honra de trabalhar. Aí está a diferença de quem opera o direito pela letra da lei ilustrada, peticionando com o humano lirismo poético, sem, contudo, desviar-se da justiça.
     Fico por aqui, com o meu abraço, à espera de a qualquer momento um novo contato.


Paz e Bem,

Hermílio.




LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 06/06/2009
Reeditado em 26/06/2009
Código do texto: T1635063
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