Carta para minha avó que faleceu!

Um anjo chamado Luzia

Em tempos de tanta desunião, de tantas guerras, de tantas brigas entre vizinhos, tantas desavenças entre irmãos. Em tempos de falta de solidariedade, em que o egoísmo impera na maior parte dos lares, um anjo, um ser de luz, veio morar junto de nós.

Uma mulher negra, de pequena estatura e risada cristalina e contagiante. A sua estatura escondia a força e a lucidez inimaginável daquele espírito iluminado. Uma mulher pequena por fora e uma gigante por dentro. Uma mulher de hábitos e pensamentos, amigos e humildes.

A sua receita de vida era simples e fácil de ser compreendida e assimilada:

Todas as pessoas sem exceção merece carinho, respeito e consideração.

Para aquela mulher não havia filhos prediletos, não havia netos preferidos. Em seu coração e em sua vida todos nós eramos iguais. E ela nunca escondeu que a sua casa e seus filhos era motivo de orgulho e por isso fazia questão de sempre estar rodeada dos mesmos. Mas o que mais cativava em minha avó era a sua alegria contagiante. A crença inabalável de que a vida valia a pena ser vivida e que o grande segredo de uma família era a capacidade estarmos e sempre permanecermos juntos, na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza. Em tempos em que as pessoas falam mal umas das outras; em que as palavras mal colocadas criam outros sentidos e semeia discórdia nos lares; em que a palavra se assemelha a uma cobra que rasteja; em que a palavra é perigosa e pode ferir de morte a alma; a minha avó sabia conversar! Ah, uma conversa! Não qualquer conversa! Conversar sobre a vida alheia para falar mal dos outros, isso é fofoca! O que ela adorava era um bom causo, uma lembrança antiga de um parente já falecido ou de um amigo que se mudara; recordar os antigos moradores da cidade e destrinchar pela memória “ de quem fulano é filho e com quem se casou!”. Desse tipo de conversa é que ela gostava!

Em tempos em que as pessoas não se dão conta que o tempo é algo precioso e se desesperam para ganhar dinheiro; em que as pessoas perdem horas no trânsito; em que as pessoas apressadas se esquecem de saudar os outros com um bom e sonoro “bom dia!”; em que as pessoas por demais afobadas não se lembra de dar notícias e nem buscar as novas lado de cá; a minha avó sabia a arte de reter o tempo em suas mãos. Tudo nela era simples e perfeito. Ela vivia cada minuto prazeirosamente e de forma intensa. A minha avó não tinha pressa. Tudo o que a minha avó fazia era recheiado de paciência e bem querer.

Perto da minha avó o tempo parecia parar pra escutar as suas lembranças! Em tempos de cercas elétricas (invenção necessária dos nossos tempos) e caras amarradas; de vizinhos sisudos e mal humorados; em que se atende e despacha as pessoas pelo interfone; em que se mora a vida inteira ao lado de uma pessoa sem o minimo interesse de se saber quem é e se fazer uma boa amizade; a minha avó era empática! Se o vizinho ou um conhecido estivesse doente ela visitava, ela levava ajuda, ela trazia sua presença que reconfortava. Mas se estivesse bem, ela visitava também! Minha avó gostava de compartilhar dores e ou alegrias. Minha avó gostava de gente!

Em tempos em que as pessoas continuam amedrontadas, imperfeitas, impacientes, intolerantes e agressivas; a minha avó parecia uma melodia divina pronta e acabada! Por onde se apreciasse minha avó era impossível achar alguma coisa que precisasse de retoque.

Á todos os vizinhos, amigos, parentes, aos que chegavam em sua casa pela primeira vez, ela sempre recebia bem! Um costume daqueles tempos em que ela viveu e que não voltam mais, ela sempre “passava um cafezinho novo pra visita!”.

Ah! Os finais de ano! Sempre e por vontade dela nos reuníamos em sua casa! Nestas datas, com a comida farta e muita bebida, sempre adentramos a madrugada! A minha avó estava ali do lado, rindo e conversando com todos! Ela era a última a ir dormir!

Ah! Se fosse escrito um livro sobre minha avó, a sua benção seria um capítulo a parte. Como era bom adentrar naquela varanda ou naquela casa e ela imediatamente vinha ao nosso encontro. Humildemente pedíamos um voto de proteção: “__A benção vó!”

E parece que, neste instante, a vejo em minha frente, sorrindo e respondendo: “___A benção menino(a)! Deus te dê boa sorte!”. E na hora de ir embora ela sempre acompanhava até o portão, todas as pessoas que a visitavam. Pra minha avó este costume era um ritual! Me lembro que da última vez que a vi com vida, quando o seu destino de morte já estava selado, ainda assim, ela se levantou e veio caminhando, ainda que lentamente, até a saída da varanda. A enfermidade já não a deixou chegar até o portão!

Me lembro que, muitas e muitas vezes brincava com ela dizendo: “___Vó, a senhora é um anjo!” Ela ria, daquele jeito que só ela sabia, e respondia:

“ ____Menino, anjo tá no céu!”.

Agora vó, tenho certeza que a senhora voltou para o lugar de onde um dia, a senhora, avoou!

PS: Querida avó, escrevo-lhe esta, para dizer onde que quer que você neste momento esteja, você faz e sempre vai fazer uma falta incomensurável dentro de todos nós! Sabe vó, tudo aqui lembra você! Por isso a saudade faz um bolo na garganta bem dificil de engolir. A sua risada ainda ecoa na varanda e ainda mais dentro de nós! A sua benção vó!