Carta à Dona Morte

Não me venha a morte sentada na esquina (com escalda-pés na sorte), adormecer em meus ombros de cimento. Passo adiante seus coxos sapos e seus esguios tambores que me tentam biscatear.

Não me apareça bailando escandinavas marchas, tais as de Chopin, pérgula infeliz! Meu avesso é cor de brejo, e arpejos faltam-me a dedilhar forçadas liras.

Sabe, Dona Morte, tenho máculas desconjuntadas e zabaneiras, e sei das tuas andanças pelos arcos circunvizinhos, contudo nem prostrado me acho... Doto de hemolinfa nas veias, todas correndo para o chão. No meu alforje recôndito tenho infinitas quelíceras de caranguejeira, a mordiscar teus pesadelos.

No mais, as auroras que inda contemplarei, as promessas que descumprirei, as conversas que beberei e as pessoas pelas quais chorarei, impedir-me-ão de ser tão pragmático, nesta – quererá a tua cunhada me dar um jaleco de prata, e, com ele, estarei a compor versos insignificantes e a desmembrar páginas invertebradas, que são os açúcares da vida.

Dar-me-ei mais às insanas rugas do que ao ofício de corvacho; preferirei as santas rusgas às badaladas do obcônico fedendo a enxofre – muito malte haverá de ser hibernado a satisfazer meus desejos incontroláveis por chá.

Muita lama será, por mim, lançada às cruzes bretãs e não contarei com o colostro a me fazer reerguer, só se for por amor.

De qualquer apelo, julgo o tempo desperdiçado com tua lembrança, cístico contra-senso. Todavia, já que arrotei as passas cloradas sobre teu negro e inconsútil manto, cato-me feliz, sobretudo pela desopilação acompanhada.

Cesar Poletto
Enviado por Cesar Poletto em 28/09/2006
Código do texto: T251511
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