CHEGANDO

Caros amigos,

Como não tenho com quem falar ou para quem dar notícias, escrevo-lhes cartas, pois os poemas ainda não me chegaram.

Depois de uma estrada longa e comprida - onde enfrentei buracos, caminhões, tristezas e uma destemida vontade de ir - cheguei ao meu destino.

A chuva me acompanhou estrada afora. Nem um solzinho se fez. Em alguns momentos me arrependi dessa vontade súbita, foi quando chorei feito criança. Criança birrenta, que quer porque quer, mesmo sabendo que vai queimar a língua se colocar doce quente na boca. Isso é bem típico em mim. Minha mãe costuma dizer que sou calça de veludo ou bunda de fora.

O estranho mesmo nisso tudo é eu estar num lugar como esse. Onde somente só o mato domina. Quem me conhece sabe que sou urbana, muito urbana, mesmo detestando shopping. Nas minhas viagens de trabalho costumo ir a lugares nem sempre tão urbanizados, às vezes meio de mato mesmo, mas geralmente fico hospedada em hospitais. É isso mesmo, fico em hospitais e não hotéis. Trabalho na área de saúde e nessas andanças uma das minhas tarefas é que ver como “se comporta” a hotelaria hospitalar. Não vou lhes falar sobre, pois seria tomar-lhes muito tempo e aqui tempo é coisa rara, pelo menos na internet. Não está sendo fácil conseguir uma conexão. É discada, “de escada” como costumo brincar.

Pois bem, o principal é que quero lhes dizer que estou bem. Acomodei-me em um hotel diferente, isolado da cidade, o Portal da Chapada. Estou em um chalé sextavado, feito de madeiras roliças e materiais bem rústicos. Disponho de dois quartos, um banheiro, uma sala, uma pequena cozinha e, o melhor, uma varanda que me oferta uma vista belíssima, donde descanso na rede. Pareceu-me aprazível para o fim desejado.O chalé mais próximo fica a um raio de 70 metros, mas parece inabitado. Imagino não haver muitos hóspedes, até agora só avistei duas senhoras que aparentam ter mais de sessenta anos de idade. Ainda não pude explorar o local, a chuva cai sem piedade. O Cheiro de barro que as telhas exalam me remeteu a infância na fazenda, aonde íamos nos finais de semana e feriados. Naquela época depois de ouvir as estórias contadas por vovô - todas de mulas-sem-cabeça e de velhos que se transformavam em monstros horrendos - meus irmãos adoravam meter medo nos menores; aí residia o problema, eu era a menor. Assim, deitada eu ficava de olhos vidrados no telhado cheio de sombras, e, a cada aranha que caminhava era como se um morcego gigante fosse se apoderar de mim. Outro medo que igualmente povoava minha mente era o de que, provavelmente, embaixo da cama residia um outro tipo de ser devorador, que sem mais nem menos julgava crianças e se esta fosse culpada seria a degola, por não ter obedecido aos mais velhos e a Deus. Deus não me preocupava, eu sempre achava que ele perdoava tudo. Na ocasião eu pedia ao meu Anjo da Guarda para me guardar, mas, por via das dúvidas, cobria a cabeça e ficava quietinha até o sono chegar. Que medo mais insano.

Agora mesmo não é o medo que me toma, é a dificuldade de descrever e entender tantos sentimentos - alguns irracionais - do meu mundo de “adulto”. Como se fosse possível separar de um ser seus sentimentos em fases distintas. Pensei que me isolando logo a minha onça se manifestaria e eu poderia enfrenta-la e sagrar-me vencedora. A vida me diz a todo instante que sou perdedora. Foi esse sentimento de perda, de não ter não sei o quê, que me trouxe a este lugar. Mas, até agora, nada foi resolvido, se é que tem alguma coisa a ser...

Perdoe-me repartir esses pensamentos, é que sou de um tempo que escrevíamos, com prazer, cartas longas aos amigos, e, de igual forma esperávamos ardentemente pela chegada do carteiro. Hoje, ninguém ouve ninguém e resposta é coisa em desuso. Assim, escrevo meio que para mim mesma. Para não perder a noção do que faço aqui.


Um abraço.

11/11/2006.
Divina Reis Jatobá
Enviado por Divina Reis Jatobá em 13/11/2006
Reeditado em 07/07/2008
Código do texto: T290398
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