Ao amigo que se foi

A história nos fez cruzar os passos quando procurávamos levar nossos projetos de vida adiante. E como eram bons aqueles dias em que queríamos mudar o mundo. O conhecimento nós o tomávamos como arma e caminho. A imersão no cotidiano do povo fazia-se o método do qual não podíamos fugir. Conquistar mais justiça social tornava-se o objetivo comum, em nome do qual mobilizávamos todas as nossas pequenas forças. Não éramos sozinhos porque tínhamos um sonho em comum.

Mas as vicissitudes de nossas trilhas fizeram com que nossos passos de esperança viessem a se descruzar. Cada um tomou rumos diversos. Entregamo-nos, então, às urgências materiais, sociais e culturais de nossas próprias vidas. Tivemos que resolver as questões relativas aos amores, filhos, círculos sociais e anseios políticos e ideológicos concretos, mas diferentes. A luta passou a ser para imprimir na vida aquele brilho possível, em condições objetivas e subjetivas peculiares e que diziam respeito apenas às questões particulares. É verdade que o conhecimento ainda permaneceu para nós como a nossa matéria-prima, mas no estranhamento mútuo em que nos vimos cada vez mais.

Para você ter uma idéia, porque nunca falei disso com você, levei um susto quando eu, já de óculos para poder captar melhor o real, o encontrei com óculos de sol. Que houve? –me perguntei. Eu, na luta para ampliar a visão e poder ver; e você descansado ante tudo o que pedia para ser visto, entendido e transformado. Mesmo à sombra você jamais tirou os óculos que o protegia da luz, se lembra disso? E eu também não, pois meus olhos precisaram desse complemento para juntar letrinhas e melhor compreender os escritos que a vida ia imprimindo no livro de nossos dias, sob nossa escolha ou à nossa revelia.

Em meio a esse processo, duro mesmo foi o dia em que você apareceu diante de mim sem os óculos por já ter se acostumado à sombra, dizendo-me que seus olhos estavam repletos daquelas imagens que antes lhe causavam tanto horror. Com as sobrancelhas quase fechadas, você desistiu de vez de enxergar os incômodos e se mandou para debaixo de sua árvore. Lá se encontra. Eu, de minha parte, ainda olho para o sol, mesmo sabendo o peso que a sua falta joga sobre meus ombros. Sinto uma saudade danada de nossas coragens e de nossos enfrentamentos, de nossas ousadias e de nossos medos. Pena que nossos olhares já não miram o mesmo horizonte...

Onde você estiver, torço para que luz clareie seus passos. Eu sei que o mundo precisa de você de olhos bem abertos porque ele continua a necessitar de quem esteja disposto a dar a pequena cota para transformá-lo para melhor. E, além disso, o sol não está tão hostil assim. Ele poderá envolver você de brilho novo e revigorante...

Amigo, será que um dia você voltará?