Ao sindicalista

Caro representante sindical,

Ouvi você reclamar que seus representados andam reclamando muito. Tenho lá minhas dúvidas sobre ser possível a tal representação, mas como essa é a nossa realidade, dediquei um tempinho refletindo sobre a questão e apresento algumas coisas nas quais andei pensando. Espero que minhas palavras não lhe façam mal.

Para começar, penso que o representado é a entidade no olho do furacão, razão pela qual seria bom não fechar os olhos para ele. Por isso, se seu representado lhe aponta as falhas que percebe na condução da entidade, creia, ele depositou confiança em você e tem o direito de lutar para que o sindicato seja mais coerente e melhor. Do contrário, não será ele, o trabalhador, que terá perdas a contar?

Penso que se você aceitou a incumbência do cargo, faz sentido a atitude de ficar reclamando que há muita reclamação por parte dos sindicalizados? Você não sabia que isso de ouvir pedidos de melhoria na entidade é algo inerente às funções do cargo? Meu pai sempre costumava dizer que quem quer criar gado não pode ter medo de plantar milho – o que você acha disso?

De minha parte, ainda que com opinião insignificante, compreendo que o direito de expressão é sagrado, além de ser uma forma efetiva de participação. Se assim podemos acordar que pode ser, então acolha a opinião, crítica ou sugestão do sindicalizado. Mais que isso: pense seriamente nelas e, sobretudo, aja para que as coisas sejam resolvidas.

Meu amigo, o compromisso junto à classe a que representa é algo sério demais porque envolve a vida de cada um dos trabalhadores e trabalhadoras que dela faz parte. Por essa razão, não aceite que, em nome de conchavos escusos, os interesses dos profissionais que representa venham a perecer no tempo e no espaço em que deveriam vingar.

Ah, nesse sentido, esteja informado. Sim, não leia apenas o jornal de sua entidade, expressando as idéias de sua chapa – leia trabalhos que evidenciem o significado histórico do sindicato, indiquem para que ele existe, a quem deve servir e como deve funcionar.

Além disso, se aceitou o cargo na entidade representativa da categoria, honre as funções dele decorrentes, respeitando sempre a dignidade das pessoas em nome das quais atua – por favor, não misture prestação de serviços a empresários do setor da classe que representa com aqueles préstimos micro-políticos que presta à própria classe: se confundir as estações, isso poderá evidenciar que, sem escrúpulos, você está acendendo uma vela para Deus, outra para o Diabo.

Então, participe da entidade de classe segundo suas forças físicas, econômicas e psicológicas – não deixe que a entidade de classe seja a extensão da exploração que a empresa perpetra contra seus pares.

Cuide para não se limitar a oferecer questionários às respostas dos profissionais, mas tente buscar o diálogo aberto e sincero sobre ela – a época dos falsários de si e dos rifadores do trabalhador tem de ir, bem como o das atitudes autoritárias e despóticas que só servem para oprimir e escravizar os companheiros. Repetir isso lhe cheira bem?

Mostre à sua classe que, às vezes, onde há fumaça, há fogo, razão pela qual o que os profissionais levam à entidade não pode ser encarado como mera reclamação – uma reclamação pode ser o indicativo de pontos sensíveis que sua entidade pode assumir para melhorar e aperfeiçoar.

Não fuja do mínimo ético inegociável. Não minta. Não engane. Não abuse. Não enrole. Não trapaceie. Afinal, você aceitou livremente representar seus pares. Não traia a própria consciência, nem a dos profissionais que representa. Não se acovarde na política da boa vizinhança ou no politicamente correto – isso é peleguismo. O correto na relação capital versus trabalho é lutar por justiça. E isso só pode ser alcançado por meio da coragem, da verdade, da sinceridade e da transparência. E da luta diuturna para fazer valer o direito e a dignidade de quem realmente produz riqueza neste país: o trabalhador, a trabalhadora.

Ah! Não manipule seus pares, afinal, você pode ser o último refúgio de confiança para eles. Reclame sempre e deixe reclamar, tanto quanto puder, e faça da reclamação uma denúncia. Só assim alcançaremos entidades de classe mais aperfeiçoadas e trabalhadores mais realizados, em vez de mortos e alienados sob o mando do poder sindical ou congênere. Que acha disso?

Cuidado com quem não reclama de nada e, muito mais, com quem acha que abundam reclamações: pode ser que eles estejam sendo mexidos pelas reclamações e, por isso, venham a colocar a causa trabalhista no caminho da total perdição. Prudência!

Nunca subestime o trabalhador e a trabalhadora. Nunca pense que eles podem ser enganados, todos ao mesmo tempo e todo o tempo. Não duvide da capacidade de quem trabalha e produz, de coração limpo e consciência tranqüila: eles sempre podem virar a mesa.

E não esqueça de uma coisa: pior do que reclamar é não ter nenhuma reclamação a fazer. Pior do que ser reclamão é reclamar que há reclamão demais ao seu redor. Não será você que se faz cego para não ver o que a reclamação insiste em apontar?

Pense nisto: se existem reclamações demais, fique esperto porque o incompetente pode ser você.