Monólogo? Auto-retrato?

Sinto que é tempo de renovar, de aparecer, de sorrir. Meu novo ano parece prometer muitas coisas boas, depois de seguidos três anos de grandes lutas e provações. Não sei se atualmente sou uma estampa de mulher ou apenas o reflexo do que quero ser!

Acho que muitos fantasmas ficaram pra trás. E percebo em mim um ânimo maior e melhor engajado para combatê-los, caso reapareçam. Estou mais bem amparada. Não por completo, pois isto depende muito ainda de mim e vários reparos a completar!

Há muitos dias não tiro tempo para leituras leves, sem pressa e escrevendo, como agora, conforme dá no coração. È como sempre me foi a escrita: terapia. E neste exato momento não é diferente. Coloco pra fora coisas do coração, da alma que por vezes desconhecidas de mim mesma!

Aliás, coração hoje pra mim recebe um olhar diferente; antes fundamentava minha racionalidade total da vida num verso bíblico que diz assim: "Enganoso é o coração mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?" (Jeremias 17:9). E lá ia eu: "Jamais vou dar 'trela' ao meu coração! Ele é enganoso e não se contenta em ser corrupto! Ele precisa ser 'desesperadamente' corrupto! Eu, heim? Dar 'bola' pra ele? Só se fosse doida!”.

Só não percebi uma coisa que há uma semana, com o toque sutil e experiente de uma amiga, vi diferentemente. O verso que segue o citado é: "Eu, o Senhor, esquadrinho os corações, eu provo os pensamentos e isso para dar a cada um segundo o fruto de suas ações”.O susto: "Nossa! Se o coração não fosse importante, por que Deus 'perderia seu tempo' em esquadrinhar meu coração?”.

E entendi que durante toda a vida em que não dei atenção ao meu coração, sendo uma incorrigível racional, permiti que meu coração permanecesse não só nanico mas atrofiando-se dia após dia! E com isso ele não esteve preparado em nenhum dos momentos que precisei para me livrar de uma burrada ou para me ajudar a realizar um sonho... Assim, levei uma "manta danada" da qual ainda não me recuperei por completo.

Agora, estou experimentando o que é "deixar ser pelo coração", de forma responsável e equilibrada. Estou aprendendo até mesmo a sentir raiva sem me sentir culpada! Aos poucos sei que isso vai transformar meu coração cheio de altos muros de proteção num coração um pouco aberto, mais vivo e repleto de sentimentos sem medo.

Tenho esperanças de que num tempo não tão longínquo meu coração não mais se deixe enganar e sofrer tanto, e não mais leve tremendas surras da vida e de pessoas que se aproveitaram negativamente da bondade que há nele - como em todos os corações. Surras e quedas sempre acontecerão, mas que não sejam tão duras e doloridas! Cabe a mim alimentar a bondade dentro dele ao invés da maldade - também nele instalada, como em todo ser humano! Porém só compartilhá-la, a bondade, sabendo as pessoas certas para recebê-la.

Relendo agora o que escrevi até aqui acho que isso é uma espécie de "diálogo comigo mesma", um monólogo talvez... Inspirado pelo mistério da literatura que cria ao nosso redor estações onde podemos embarcar ou desembarcar, conforme vemos as luzes e cores e sons e odores convidando-nos a novas experiências de vida e compartir de pensares.

Vai alta a madrugada e vou-me dormir pensando numa pintura onde vejo uma mesa de jantar posta num sótão misteriosamente organizado e limpo, uma vela que incide sobre o ar opaco do outono fazendo com que dedos e gotas de vinho se toquem e se espelhem enquanto o líquido se mistura sutilmente ao sangue levando a mente ao anestesiamento mínimo necessário para o poema aparecer... Um silêncio profundo sem pesar, uma solidão buscada e prezada, a refeição que alimenta o corpo e as imagens que semeiam na mente sonhos, textos, desejos.

Não seria nosso pensar um misterioso sótão dentro de nós?

Misteriosas palavras que ora nos esclarecem tudo e ora nos levam aos mais inconcebíveis e incompreensíveis pensamentos! E lembrar de Cecília (ou seria outrem?) com seu mistério do sem fim onde a borboleta pousa serena... Sim, pois que se há asa de borboleta por certo ela está toda ali. Eu adoro borboletas. Disseram-me que sou uma. Bem, seja eu em forma de lagarta, seja em forma de prisioneira no casulo ou guerreia a desvencilhar-me dele até que bela abrace o ar com coloridas asas!