Carta ao Amor Possível II

Hoje, uma saudade imensa me veio...aquela que tem o teu nome e que me faz revirar palavras, rever tuas letras e buscar-te em meio ao que o tempo chama de passado.

Ao meu redor, tudo permanece distante e estranho, como se algo ou eu própria estivesse no lugar errado. Os objetos, os móveis, a casa enfim, não me reconhecem. Eu tampouco a eles. Olho cada lugar, como se buscasse algum vestígio de mim...algo que denuncie qualquer cumplicidade e que me tire, ainda que por instantes, esta sensação de inadequação que me é tão permanente, à medida que a tua ausência solidifica-se.

Volto às nuanças de cada dia vivido e ao circundante azul, que parecia movimentar-se apenas porque nós dois existíamos. Mesmo que não ao alcance das mãos, podíamos nos tocar com uma intimidade jamais percebida ou sentida. Também por isto, a inquietude, a estranheza e o assombro cotidiano, porque era em nossas desemelhanças que tanto nos parecíamos. Contigo não havia qualquer embaraço, ainda que fossem inevitáveis, o frio no estômago, o rubor repentino, quando o encontro se dava. E levavas-me a lugares que nunca fui, ainda que meus pés não se deslocassem do chão.

E eu, que já havia me desacostumado dos sonhos e dos olhares perdidos a buscar saudades, flagrei-me te fazendo o meu caminho de ida e volta pela vida. De repente, surpreendias o meu passo e sabias de todos os meus destinos...e eu, ignorante de tudo, justificava cada fato como coincidência. Acostumei-me a visita do acaso que sempre arranjava uma forma de te aproximar mais ainda de mim. Sequer notei, quando a hora do meu almoço, foi se transformando em tua hora...sequer percebi, quando todo o meu tempo passou a ser teu. Já não havia como negar que meus olhos queriam se ver refletidos no espelho dos teus.

Permanece em meu rosto, o mesmo encanto, o olhar cintilante de eterna descoberta, acariciando o despertar de todos os alvoreceres, quando acordas em minhas saudades.

Tolice dizer-te que o meu olhar já não te aguarda...cada vez que o telefone toca, é a tua voz que ainda desejo ouvir. Não consigo disfarçar do peito, a tua existência em mim. Não aprendi a dissimular-te da minha memória, quando a palavra felicidade procura o meu olhar. E sorrir era tão mais fácil contigo... a alegria sempre estava ao alcance dos meus lábios, porque me sabia pronunciada em teu coração. Lembro-me que me dizias que o tudo de ti combinava com o tudo de mim. Tu falavas de sentimentos que a minha alma tanto reconhecia. Daí, a afinidade e a sensação inequívoca de que havíamos inventado um novo idioma, uma única linguagem de afetos e ternuras. Era em ti, que eu encontrava minha maior e melhor verdade, sem que nenhum espelho precisasse me refletir. Era em teus olhos que o meu dia acordava. Era em mim que a tua vida encontrava todas as cores, que aprendeste a distinguir através do meu olhar.

Resta-me agora todas as páginas que não pudeste escrever, esvoaçando em letras de saudades. Resta-me esse amor em vigília. Restam-me as mãos repletas de incansáveis esperas, enquanto teu caminho reconhece-me como teu destino possível.

Fernanda Guimarães

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Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 06/02/2005
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T3567