Carta para Ti VIII

O sol ensaia seus últimos acordes, enquanto a lua rodopia, buscando aconchegar-se no céu que já baila à sua espera...

Entre os sons da noite, a voz das tuas mãos ao piano. Cada nota que acaricias, leva os meus olhares para um mundo que ainda não me conhece. A imaginação alcança tudo: visita sonhos, realiza desejos e depois me olha em doce cumplicidade, como se me confidenciasse que será no silêncio dos olhares e lábios que ela guardará os instantes, em que os sorrisos deixaram-se envolver pelos braços da felicidade. E o coração é conivente a este estar e permanecer da imaginação. Pulsa em êxtase, como se quisesse relevar em cada batida, os cenários, perfumes e matizes que percorrem os meus pensamentos. Mas tão qual a imaginação, apenas se permite sentir a carícia que levita na alma, no corpo...e vibra mais forte, aconchegando-se na alegria da emoção.

Muitas vezes, o olhar necessita deste encontrar-se com a solitude, para que o silêncio possa espreguiçar-se confortavelmente e ecoar dentro de mim. Um silêncio que não significa apenas ausência de sons, gestos ou quaisquer palavras. Apenas um hiato entre um pensamento e outro, quando as letras adormecem e a razão somente assente a este interregno, como se o tempo também descansasse, e se entregasse ao sonho.

Penso que há no mais profundo de nós, um tempo que não se reconhece em datas, horários ou anos, porque guarda sempre na memória do presente, todos os sonhos que irisam o horizonte que nos contempla. Um tempo que fala a linguagem dos arrepios da alma...

Soubesse e te descrevia os murmúrios dolentes de cada um dos meus sentidos. Soubesse e falaria sobre este olhar entre uma imagem e outra, quando cada espelho que me fita, esquece-se que deve refletir algo. Por vezes, a visão é um sentido por demais limitado! Fotografa apenas o que se expõe, como se braços fossem apenas braços...quantos abraços ocultam-se neles??!!! Abraços dados ou apenas desejados...

Toco os meus lábios com a ponta dos dedos e sinto também a língua contornar-me a boca, para reter a impressão desta sensação. Mesmo o tato e até o paladar, não são capazes de confessar em plenitude, os caminhos percorridos pelos gestos de entrega, pelos momentos adiados ou contidos num suspiro pelo não vivido.

Em momentos assim, são os solfejos das tuas mãos que me presenciam e compõem a sinfonia da minha vida...claves inebriadas pela tua fragrância em uma pauta somente compreensível aos olhares do silêncio.

Fernanda Guimarães

www.fernandaguimaraes.com.br

Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 15/08/2005
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T42739