Você não irá ler essa carta.
Não se debruçará sobre essas linhas congestionadas de palavras e semântica. Não sofrerá a agonia de ter dúvidas e de ter que decifrar mensagens sub-reptícias. Entrelinhas mágicas e comezinhas.

Escrevo na certeza de não existir os seus olhos e nem sua compreensão.
Havia muita coisa importante que deveria ter dito. Havia muito sentimento reprimido, represado. Encarcerado nas condolências sociais ao bom gosto.
Não gritei quando queria. Não chamei quando precisava. E, pior não expressei aquilo que me inundava. Por pura e legítima covardia.  A minha defesa não é legítima.

O meu medo é o feudo confortável de quem não venceu a inércia. Amarraram meus sonhos a um navio que afundou na imensidão imprecisa dos mares.
Amarraram meus olhos a lente míope da realidade circundante.

É uma pena que você jamais lerá essa carta. Mas, se você ler. Procure-me.
Mande uma mensagem dentro de uma garrafa. Um torpedo anônimo. Uma reticência enigmática a ser decifrada logo ao acordar.
Eu saí da sua vida. Fechei a porta. Fechei meu mundo para as interações românticas.

Hoje só interajo em silêncio. Hoje o presente é sólido. O passado nebuloso e o futuro incerto.
Você está moribundo. Você é finito e carcomido. Ainda me lembro de você. Mas você também partiu. Não deixou bilhete. Não deixou vestígios. Levou o que não era seu.

E vive na mais profunda solidão. Daqueles que não entenderam o script.
Abu tinha razão: 
"É preciso ter a dor de sentir que a vida não tem roteiro". Antônio Abujamra


P.S:
 
A dor é a única bagagem para quem conseguiu a medalha da sobrevivência.
 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 18/06/2015
Reeditado em 21/11/2017
Código do texto: T5280947
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