Respeite a cicatriz

Em pleno fogo cruzado escolhi escrever, penso até que a intensidade dos golpes e o tamanho dos ferimentos não me permita tanto. Mas insisto, quero escrever para pelo menos libertar a alma de fantasmas. Olho ao redor como quem está perdendo o fôlego e enquanto me sufoco pressiono todos os meus músculos em tentativas irracionais de gritar, o mais alto que as minhas cordas vocais permitir. A menina que escrevia poesia perdeu todo o doce e agora escreve cartas.

Então questiono a mim, tudo gira em torno de ser amado ou da capacidade de amar. E entre essas duas escolhas, conheci ele. O motivo pelo fogo cruzado, foi o excesso de amor. Ao contrário do que pensem, realmente o amaria outra vez. As guerras sempre despertaram em mim uma vontade de lutar, e o meu amor por ele foi descomunal. Não escrevo para que ele venha aqui fingir se importar e ler, escrevo por precisar de uma despedida. Deixar aqui o motivo da falta de apreço e sorriso, deixar aqui cada lágrima. Não sou inocente, não éramos. Quem sabe se isso passa, gentileza me dê esperança. Será que vou sucumbir? A pior parte é o que estava construindo, são todos os planos debruçados em poços de lama agora. A pior parte foi o jeito doce de amar que permitir. A pior parte é saber que fui feliz. E a gente pode até ter algumas magoas, mas se tem uma coisa que eu sei que tivemos " foi amor", desses que a gente conta para os netos. Em meio ao bombardeio, vi brotar raras flores e alguns soldados desistirem. Em meio ao bombardeio tivemos uma linda história de amor e apesar do campo minado e das mortes, eu o beijarei daquele jeito se pudesse voltar ao tempo. Pois não me arrependo do que aconteceu. E se for para se arrepender que seja de todos os planos que não aconteceram, ou do tempo que perdi incluído ele em tudo, deveria não ter me apegado a isso. Sei que doeria menos.

Milena Miranda
Enviado por Milena Miranda em 22/07/2016
Reeditado em 25/06/2017
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