Senhor estranho, deixe-me em paz!

Você parou de escrever para mim.

É estranho como as coisas perdem sentido e, num momento são tudo o que precisamos, mas, no outro, já não ardem como antes, não ferem e nem pesam como faziam. Primeiro, eu achei isso bom.

Agora, não sei.

Lembro da primeira vez que encontrou palavras para descrever quem eu era para você. Foi tão intenso e limpo, tão sincero e, ao mesmo tempo, cheio de pontos de interrogação... Uma dualidade eterna, como tudo o que te diz respeito. E, mesmo tendo comparado o meu sorriso a blocos de chicletes desconexos, instigando-me ao próximo round, ainda que não tivesse usado as piores palavras para a melhor das garotas, nada mudaria os pulos no meu peito de um coração cansado do anonimato.

Seus olhos me encontraram, você me viu e, pior, eu gostei de ter atenção. Gostei de ser uma espécie de musa isolada no canto do seu cérebro, seduzindo-te a chegar um pouco mais longe, um pouco mais adentro, sempre. E na escuridão que é a sua alma, encontrei-me perdida, inebriada feito uma drogada numa festa para a qual eu não me lembrava de ter sido convidada.

Guardo com carinho seu cheiro de cigarro passado, impregnado numa camisa mais velha ainda. Permito-me remoer cada lembrança doce, cada briga, cada verdade, cada lágrima, até nosso único abraço, dezenas e centenas de vezes.

Mas...

Você parou de escrever sobre mim. De todas as suas musas, eu permaneci quietinha, isolada, intocada sobre um altar empoeirado sob o qual você deixou de dobrar seus joelhos. Não sou mais um anjo, a figura da perfeição, a sereia intocada, fatia de goiabada, peixe dourado que nada em círculos no aquário de seus lábios. Não sou.

E foi deixando de ser que entendi que nunca passamos de dois estranhos, encarando um ao outro em lados opostos de um espelho. Você nunca teve força para partir o vidro e eu jamais seria inteligente o bastante para entender que não há vidro algum.

No entanto, sem garra, nos acostumamos a essa distância segura. Uma doce e sedutora loucura que cativa, cega e transforma.

Não sou sua musa, nem sua dona.

Mas, eu sou névoa.

E a névoa sempre perturba em dias frios.

Ladra de Tinta Seca
Enviado por Ladra de Tinta Seca em 06/09/2018
Reeditado em 06/09/2018
Código do texto: T6441536
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