Carta de BATISTA para CAIO FERNANDO ABREU

Lavras, 16.09.18

Caio,

Como andam as coisas por aí?

Acho que você já pode imaginar o motivo pelo qual te escrevo. Sei que estou um pouco atrasado... Pra ser exato, quatro longos dias. Mas, por favor, não encare minha demora como resultado dum desinteresse. Eu sou assim mesmo! Deixo coisas importantes em stand by por dias, semanas, meses... Porém, quando sento pra dar-lhes a devida atenção, me entrego de corpo e alma. E não poderia ser diferente neste caso. Quarta-feira foi o seu aniversário, não é mesmo?!

PA - RA - BEMS! 70 anos nas costas... Quem diria hein, meu caro? A Cláudia ou a Márcia já te contaram da nova empreitada? As duas estão organizando uma exposição massa em sua homenagem (Robocop e Wolf são exemplos dos materiais expostos). Parece que vai ficar no Museu Nacional da República por uns dois meses.

Infelizmente, não poderei participar. Minas fica muito distante de Brasília e, pra completar, estou sem dinheiro e com importantes compromissos diários. Mas olha, Caio, confesso que seria algo... IN - DES - CRI - TÍ - VEL. Como dimensionar o que representaria pisar num Museu, numa época em que nossa história e memória estão sendo queimadas em praça pública, pra prestigiar a vida e obra de um escritor de sua magnitude e assumidamente gay? SO - COR - RO! Só de pensar, já tô impactado aqui, viado!

Nossa, menino, nesse balaio todo ainda tem o lance da censura com o Queermuseu, em Porto Alegre. E tem também um grito ensurdecedor de volta à ditadura. Oremos. “Pai, afasta de mim esse cálice”. Você bem sabe como funciona essa realidade morta. Num outro encontro, precisamos conversar urgentemente sobre... Voltemos à felicitação.

“Vai menina, fecha os olhos. Solta os cabelos. Joga a vida. [...]”. Seria muito patético da minha parte te enviar esse texto completo?! Cara, sério, já compartilhei com várias pessoas ao longo dos últimos dois, três anos. É a cereja do bolo de minha (quase sempre tardia) parabenização. Mas ok, não vou trazê-lo na íntegra.

Só não posso deixar de dizer outra coisa... Esse texto (que conheci quando uma professora enviou como saudação pruma amiga) foi o canal pra eu me aproximar de você de uma forma especial. Apesar de me sentir ousadamente íntimo, sei que ainda te conheço muito pouco... Isso, porém, não me impede de querer tatuar aquele trecho no meu braço esquerdo, risos. Você acha que seria uma boa pedida como primeira tattoo? Olha eu me perdendo de novo... Voltemos, então, ao que importa.

Ele traz uma mensagem que tem uma ideia-síntese poderosíssima: não tenha medo ou não se esqueça de viver da forma que te faz sorrir. Acho que esse é um dos desejos mais bonitos que se pode expressar quando a gente parabeniza alguém. E não é à toa que o autor dessa mensagem está agora com esta singela carta em mãos.

Eu mantive as últimas quatro palavras, porque não sei se você quis fazer referência à felicidade. Porém, acredito que resiliência cairia melhor neste caso. Estão dizendo ultimamente que, nessa busca insana e doentia por ser feliz, a gente deveria, na verdade, era encontrar o caminho do ser forte, resistente. E você, como ninguém, sabe muito bem disso. Tive acesso recente às cartas (perdidas) que enviou pro Nei...

Ahhhh, e quando tiver um tempo, dê play em João de Barro, digamos, é de tamanha sofrência resiliente. Uma palinha pra te aguçar: “O meu desafio é andar sozinho / Esperar no tempo os nossos destinos / Não olhar pra trás, esperar a paz / O que me traz / A ausência do seu olhar / Traz nas asas um novo dia / Me ensina a caminhar / Mesmo eu sendo menino, aprendi”.

Querido, é isso que te desejo então: que você receba do universo esse presente que é viver em eternidade, para além desse setentenário. Vida longa ao intenso Caio! Vida longa ao autêntico Abreu!

De seu admirador ousadamente íntimo,

Batista.

* Carta (com algumas modificações) publicada na Coletânea "Cartas entre escritores" (2018), da Editora Cavalo Café.