Te vi na rua ontem

Não, esse não é o começo de uma carta de amor, tampouco se faz de trágico ensaio sobre a dor. São apenas palavras soltas que resolvi escrever para eternizar a primeira vez que vi você depois de tantos anos, bem após o meu mundo desabar e se reconstruir, depois de tudo o que eu passei, cresci e evolui.

Pois é, eu te vi naquele clube noturno, numa noite insuportavelmente quente de sábado. As cortinas se abriram e você estava lá: o primeiro que eu avistei. Escorado, como sempre, seguro em volta dos amigos que nunca lhe permitem ser quem é. Mas, eu lá sei quem você é? Você sabe?

É verdade que, durante esse tempo arrastado que passamos separados, tive verdadeiro pânico desse momento. A mera possibilidade de encarar os seus olhos castanhos, suas sobrancelhas peludas, a barba multicolor, os pulsos que eu amei, seu desdém, sua indiferença e o seu rancor sempre me tirou o sono e a sanidade.

Dessa vez, não.

Fui, mas fui com medo mesmo.

O seu cabelo cresceu muito e você tem tatuagens novas. Mas, o resto, é todo igual. Mesmo sorriso, mesmo comportamento, mesma postura, mesma atitude, mesma vida. Era isso o que voce me oferecia como futuro quando estávamos juntos e fazíamos planos? Um retrato estático de algo que nunca sequer balançou na cor? Acho que foi por essa simples razão que, ao olhar pra você, debaixo de todas aquelas luzes brilhantes de boate, a sensação foi de peito vazio e coração aberto. Nem raiva, nem medo, nem dor. Muito menos amor...

Mas, eu me permiti te encarar, não foi? E você fez isso também, muito bem, toda a noite. Só que, ao contrário de mim, você se deparou com uma mulher forte, livre, independente e alegre, uma mulher adulta com o mundo nas mãos. Tão diferente daquela mocinha chorosa que você deixou para trás, a fim de viver uma aventura, só pra alimentar o seu ego, só pra provar que podia.

Pois é, te vi por aí e você me viu também. Duas estrelas ocupando o mesmo céu por uma fração de segundo. Mas, enquanto eu sou a supernova, um caos em movimento, destruindo tudo em meu caminho e explorando novos universos, você é só uma anã azul, estática, paradinha, do mesmo jeito de quando me deixou.

Eu te perdoo por ter me tirado o chão, perdoo por ter me machucado, feito-me querer morrer... Perdoo por não se importar. É como a musica que tocou no momento exato em que os nossos olhos se encontraram: Foi muito para o meu final feliz.

No entanto, te vi e foi bom te ver.

Fique bem.

Ladra de Tinta Seca
Enviado por Ladra de Tinta Seca em 18/12/2018
Reeditado em 09/03/2022
Código do texto: T6529690
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