A falta que você já não me faz (Pai)

É pai hoje acordei pensando em você. Não que isso não aconteça todos os dias. Mas hoje a conotação é toda especial. Acordei pensando o quanto senti sua falta.
Quando ainda bebê, senti falta de você trocando as fraldas, ou reclamando com a mamãe que eu estava sujo faz um tempão, afinal, homens tem mania de ampliar o tempo, pensam em horas ao quadrado ou ao cubo;
Senti falta de você quando sem querer soltei a primeira palavra: pai, talvez fosse porque esperava que estivesse lá, sei lá, queria platéia;
Senti falta de você quando dei os primeiros passos e foi pra pegar uma bola, lembro-me até hoje, que a minha mãe repetia insistentemente que seria igual a você no futebol, e que pena, nunca o vi jogar.
Senti falta de você no primeiro dia de escola, sei que ligou, lembro, mas não tinha uma pessoa forte pra segurar a minha mão, a minha mãe, coitada, chorou copiosamente;
Senti falta de você, pai, nas reuniões da escola, nunca gostei muito de estudar e sempre ouvia da minha avó, sua mãe, que tinha herdado esta herança de você, engraçado pensei até que tinha morrido;
Senti falta de você, pai, quando chutei a primeira vez ao gol, eu errei, sei, fiquei com vergonha, todos fizeram chacota, e minha mãe sem entender o que era uma pelada, acabou por desistir de me levar para jogos onde zombavam de mim, como se isso fosse algo pessoal, não sabia ela que isto era sinônimo de futebol;
Senti falta de você, pai, quando no meu boletim a nota veio colorida. Minha mãe olhava desesperada para aquele papel e eu ali, sem saber ao certo o que estava acontecendo, mais tarde acabei entendendo o porquê daquele olhar;
Senti falta de você pai, no dia dos pais, não que não tivesse te visto, mas sempre estava apressado, tinha que voltar rápido, pegar o avião. Guardei todos os presentes que lhe seriam entregues no fim da canção, mas você saia no meio;
Sabe pai, senti também sua falta quando descobri que não era mais um menino, que meus hormônios estavam gritando e que as meninas da escola me olhavam de um jeito estranho, fiquei morrendo de vontade de contar, mas não tínhamos intimidade, pra ser íntimo era preciso conviver e nós, só nos víamos em datas especiais, festas familiares e velórios;
Senti sua falta quando dei o primeiro beijo, quando quase perdi o coração numa paixão pela professora. Mas você pai, estava preocupado demais com as minhas notas e com o pagamento da mensalidade da escola particular de renome que mantinha;
Ai pai, engasgado aqui, um nós na garganta, mas não posso parar é importante para mim que saiba. Senti falta sim, dos seus gritos, da sua intolerância, desse seu jeito estranho de amar, sei lá, antes assim, pelo menos a sua presença ficaria ali marcada;
Senti falta de você para me ajudar nas escolhas da vida, principalmente aquelas que fariam crescer, mamãe era passional demais para entender que era preciso assumir riscos;
Senti falta do seu abraço apertado, da sua mão pesada num tapa nas costas, da sua ira desenfreada.
Senti falta do seu amor carrancudo, distante, mas era amor, do seu modo;
Senti falta do seu sorriso, de uma canção cantada ao banheiro, de uma viagem de amigos, só nós dois, pra falar de nada e ver a água do mar passar nas ondas;
É pai, senti. Mas hoje posso lhe dizer com alegria que você já não faz tanta falta. Não é que o amor tenha terminado e a expectativa tenha sido substituída, mas sabe, eu cresci. A trancos e barrancos, apanhando dia e noite da minha consciência, que de algum modo insistia em te buscar, mas agora, tudo não passa de uma boa lembrança. Vou te dar parabéns no seu dia, vou ter filhos casar, sei lá, mas aprendi uma coisa: ninguém será capaz de ocupar aquele espaço vazio que foi aberto lá atrás. Procurei alternativa, sim, pai, pra viver esse amor sobrenatural do qual a minha mãe falava, foi na droga, na bebida, na promiscuidade sexual, mas não adiantou, permanecia ali, sem alicerce, até que caí... Na real.
A falta que você me fez, pai, foi saneada pela dor de perceber que não dependia só de mim, e olha que me culpei por anos.
Só tenho certeza de uma coisa, na verdade, embora tenha esperado insistentemente a sua presença, talvez fosse você que precisasse de mim, e é por isso que hoje estou aqui. Eu não vou te deixar pai, mesmo que esteja aí neste quarto vazio, sujo, escuro, sabe porquê: Porque eu nunca deixei de te amar. E agora você vai entender a real definição de presença, porque é quando você mais precisa que valoriza. Chego amanhã. Beijos. Eu sempre te amei, Pai! E esse sentimento ninguém me toma! Quanta saudade..
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 15/03/2019
Reeditado em 16/05/2019
Código do texto: T6598502
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