Os Medos Que Os Nossos Medos Não Nos Deixam Assumir

Sabe, ouvi uma música da Kell Smith que diz que forte mesmo é quem assume a sua liquidez e que metade de mim é coragem, a outra quer correr. Ela me fez refletir muito sobre algumas coisas: já perceberam quão grande é a dificuldade que temos de assumir os nossos medos, falhas, defeitos e inseguranças? Acho que isso nos torna fracos, porque quando não assumimos, seja para o mundo ou para nós mesmos, não podemos lidar com eles, aprender com eles e moldarmo-nos para que não nos afetem ou às nossas relações etc.

Hoje saí do trabalho antes da meia noite: bolsa bem coladinha ao corpo, pés apressados, telefone na mão de uma maneira que desse para discar qualquer número para pedir socorro, olhando para todos os lados… Quantas outras noites foram assim, ou piores! Eu tenho medo, não de ser mulher, mas de ter nascido mulher neste mundo cruel com tanta gente fria e perigosa.

Moro sozinha com meu filho numa cidade onde não tenho família, ou melhor dizendo, onde tenho ninguém além do meu pequeno. A casa onde moro, tem outra no fundo - e os inquilinos do fundo sempre me deram medo: desde que vim morar aqui, há pouco mais de 2 anos e meio, todos os que moraram na casinha do fundo, como eu costumo chamar, foram homens - e como se não bastasse, a maioria era alcoólatra. O quintal da casinha, fica aos fundos da minha lavanderia, que possui um muro que se qualquer um deles quisesse pular, teria acesso muito fácil à minha residência. O último inquilino, que ainda mora na casa por sinal, há algumas semanas, eu estava lavando roupas lá na lavanderia, junto ao meu filho que estava brincando e o cara, que eu nem conheço e nem sabia que estava morando ali, apareceu no quintal dele, olhou para mim e disse “nossa, moça! Você é bonita, hein”, aquilo me deu um pânico por dentro e eu fingi que não era comigo, mas ele continuou “moça, estou falando com você! Você é bonita, hein! É casada ou solteira?”... Minha reação foi falar que não era da conta dele, que não tinha dado liberdade para ele me dirigir a palavra daquele jeito. Verdade é que nunca tinha visto o indivíduo na vida, eu estava no meu quintal cuidando dos meus afazeres domésticos e fui abordada. E o medo dele descobrir que sou solteira! Sim, isso me dá muito medo! Não de ser solteira, mas disso ser visto como fragilidade para esse tipo de homem podre. Até pouco tempo atrás, meu chaveiro era um canivete e eu dormia com facas entre o box e o colchão, porque eu nunca assumi, mas o medo de ser violada, ou pior, que tentassem qualquer coisa com meu pequeno, me consumiu por tempos.

Eu tenho medo de fazer novas amizades, principalmente masculinas, pois sempre preferi amizades com homens, mas tenho medo que se aproximem de mim com outras intenções. No entanto, eu tenho ainda mais medo de não ter amigos, ou ainda que eu entre numa relação de amizade onde a única amiga de verdade sou eu.

No domingo do Carnaval de 2019, eu decidi ir na praça para dançar com alguns colegas, eu os considerava amigos à época, pois queria poder sorrir um pouco, porque acho que ninguém merece se trancar em casa numa completa solidão e fazer do próprio lar um túmulo onde a gente se enterra vivo. Só que naquele dia eu estava bem triste, algo a ver com ter sentimentos por um cara que nunca correspondeu - e nem preciso falar do medo que isso nos causa, não é? -, então resolvi voltar para a casa poucos minutos depois de ter saído. Quando estava no caminho de casa, vi que atrás de mim veio o morador da casinha à época e que estava tão bêbado que tirou a genitália para fora e fez xixi no meio da rua. Mandei mensagem para um dos colegas que estavam comigo no mesmo instante, o que mais confiava, e pedi que me acompanhasse, já que a cidade é bem pequena e moro perto, logo ele poderia voltar para a festa. Ele apareceu rápido, eu expliquei que estava com medo de ir para a casa sozinha e o cara tentar fazer alguma coisa comigo. Descemos. Chegando na porta de casa, eu chequei tudo para ver se o vizinho bêbado não tinha entrado na minha casa e fui falar tchau para o tal colega e agradecer. Ele tentou me beijar. Sabe o que é algo te destruir? Eu confiei e pedi proteção a alguém que traiu a minha confiança e fez pior do que o que qualquer desconhecido poderia ter feito. Às vezes acho que não existe medo maior do que o de não poder confiar em ninguém, de começar a acreditar que todo mundo que está perto pode ser uma ameaça, que só tem amigos por conveniência - ou seja, que não tem. Aqui na cidade eu já desisti de fazer novos amigos, vou apenas manter os meus amigos da vida toda, ainda que morem longe, ainda que virtualmente, mas é um medo que assumi, depois de quase 3 anos de histórias bastante chatas de contar, porém é um medo que não estou disposta a enfrentar.

Como mãe, tenho medo de ser insuficiente, de não dar o meu melhor, de não saber educar corretamente, impor limites e dar o amor que ele merece, mas meu principal medo é de me envolver com alguém por causa do meu filho, sei que certas atitudes vêm de quem menos esperamos e, difícil assumir isso, mas muitas vezes elas vêm de quem mais amamos. E não falo apenas de violação física, me preocupo muito com a estabilidade mental e psicológica dele, de desrespeito à nossa relação de mãe e filho, ao nosso espaço. Sei que essa preocupação é de muitas “mães solteiras” e acho que de diversas perspectivas diferentes. Ouvi da minha avó que é viúva que ela tem medo de arrumar um novo companheiro e o mesmo tirar a nossa liberdade com ela, de falar, de visitar, de estar junto, dela viajar para a nossa casa quando bem entender, de que o novo companheiro também tenha uma família e que esta não a aceite, ou que ele não nos aceite como família. Quando vovó me assumiu esse medo, eu senti um alívio grande, porque via que não era um medo só meu, como jovem, era um medo compartilhado com a pessoa que mais admiro na vida como profissional, como mãe, avó, esposa, mulher. Abrir-se para novas relações a-pa-vo-ra!

Ouvi outro dia da pessoa que menos esperava, alguém que se diz frio, que todo mundo tem medo de ficar sozinho. Eu tenho, não só medo, mas vergonha de assumir, que eu encaro tal medo todos os dias, não falo de ter namorado ou marido, mas de não ter a família e as pessoas que amo perto, de sentar na mesa todos os domingos (para não dizer dias) e não ter com quem compartilhar minhas refeições - meu filho é minha vida, que fique claro e está aqui sob a proteção e o amor dessa mãe que carrega tantos medos -, mas não ter um adulto com quem conversar, falar sobre o meu dia, sobre meus projetos para o futuro, sobre minhas chateações, sobre os meus medos… Senti medo por vezes que não estive bem de saúde de um dia morrer sozinha aqui, pensando até em como minha família ficaria sabendo.

E, por falar de medo de ficar só, eu não tenho medo de passar uma vida sem ter um companheiro, talvez exista um pouco de vontade de tê-lo, só que esse medo eu já venci, mas eu tenho medo de morrer sem saber que fui amada de verdade um dia, tenho muito medo de não viver um amor - sabe aquele amor que eu tanto falo nas minhas poesias?

Nós somos humanos, frágeis, falhos e carregamos tantos medos, que seria impossível listar, fora que dá medo de parecermos fracos quando falamos deles assim, abertamente, mas hoje vejo que alguns desses medos têm me moldado e me tornado mais forte, com outros estou aprendendo a lidar e a olhar para eles de perspectivas diferentes, pedindo sabedoria a Deus, mas para os que nada posso fazer nada a respeito, eu espero que eu tenha muita fé e coragem para ir e vir todos os dias sozinha, confiando que Deus vai me guardar e pedindo que o ser humano não esteja tão corrompido quanto os tais medos tentam me dizer que está.

Ddsa Carvalho
Enviado por Ddsa Carvalho em 31/08/2020
Reeditado em 31/08/2020
Código do texto: T7050734
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.