Lavras, 23 de outubro de 2007


Querida Tamar.


         Sua carta chegou hoje, datada do dia 17. Apresso-me a responder. Fico contente por ter compreendido e concordado que eu respondesse suas cartas através de meu blog. 
        Admiro você, muito. Afinal, é a única amiga que tenho que resolveu mudar de nome e mudou. E é a única também que mora como muitas sonham morar, Só que ninguém tem coragem. Afinal, abdicar do conforto material, seja lá por qual motivo for, é só para mulheres fortes. Eu não sou forte assim. Preciso de conforto. Quando era jovem, eu gostava de acampar. Ia para Ouro Preto e me hospedava em repúblicas. Ou então, com amigos, alugávamos casas e apartamentos e nos divertíamos vivendo como sardinhas em lata. Hoje não. Gosto de hotéis, para passear, casas confortáveis para morar. Sei que perco muito com isso. Mas já ganhei, em outros tempos. Eu gosto dos sons da natureza mas prefiro ouví-los sentada em uma varanda confortável de um hotel com um certo número de estrelas. Uma pequena constelação. Quanto aos sons da natureza, em minha casa, são terríveis. Pombos barulhentos, gatos no cio, pernilongos vorazes. Só o que salva é o meu vizinho assobiador.Muitas vezes acordo no meio da noite e lá está ele, assobiando...é como barulho de chuva, aconchegante.Há um galo também...Fico por entender onde pode ter um galo aqui em minha rua.Mas tem.
         Por falar em chuva, está chovendo aqui. Finalmente. Estava tudo tão seco, tão árido ! Um calor que não é próprio das montanhas de Minas. Hoje, está gostoso...não faz calor, nem frio. Uma noite boa para escrever e ler. Por enquanto escrevo mas logo vou para a minha sessão noturna de leitura. Tenho sempre mais de um livro em minha cabeceira. Estou lendo Saramago, A História do Cerco de Lisboa. Não é uma leitura fácil, mas é instigante. Leio um capítulo por noite. Depois, leio um conto. Gosto de contos e estou relendo Big Loura e outras histórias de Nova York, de Dorothy Parker. É interessante, mas 
as mulheres das histórias que ela conta são completamente imbecís.Gosto de ler também um ou outro poema. Apontamentos de História Sobrenatural do Quintana é o que estou folheando agora.

           Seu gosto musical é refinado. Não sou de muita música clássica, só ocasionalmente. Prefiro a popular, MPB, jazz, blues, música romântica européia. Mas gosto muito de mantras. Costumo dizer que minhas músicas prediletas são as de filmes. Como se houvesse um gênero musical só para filmes..., Gosto de trilhas sonoras, queria ter a vida acompanhada por uma trilha sonora.
 
          Seus bordados parecem ser lindos.Suas bonecas me lembram as que eu brincava, quando era menina. Brinquei muito com bonecas de pano. Eu não sou de muitas prendas, como diriam nossos antepassados. Mas como você, gosto de desafios. Aprendi a fazer crochê e ponto de cruz. Cheguei a fazer coisas muito bonitas. Aprendi sozinha e sozinha desaprendi. Mas gosto de cozinhar. Aprendi tem pouco tempo e faço isso uma vez por semana. Aos domingos. Gosto de cozinhar para a família, experimentar pratos novos e até inventar.O que gosto mesmo é de comprar livros sobre culinária. Ou revistas. E também de escrever receitas. Tenho dois projetos de livros: No almoço de domingo e Cartas da minha cozinha. Duvido que eles se concretizem, pelo que me conheço. 
            É muito bom receber carta sua. Você tem um jeito especial de falar sobre as coisas da vida.Fico imaginando você em sua casa e brincando com Sofia. Dê um beijo grande nela.

            São quase onze horas aqui e eu tive um dia cheio. Preciso ir dormir. Não costumo dormir tão cedo, mas acho que estou precisando ir para cama. Vou aproveitar o friozinho, enrolar-me no edredon e ler um pouco, para esquecer a tristeza. Estou triste, uma amiga morreu. Uma amiga com quem ultimamente eu tinha pouca convivência, mas que perdeu a vida de uma forma tão estúpida que está sendo difícil de acreditar.A cidade toda está chocada. 

             Até outra carta, amiga.
                                   
                                       com carinho

                                                   Merô.