Carta a Gonçalves Dias

Boa tarde, ilustríssimo poeta, Gonçalves Dias

Inicio esta carta, pedindo-lhe perdão, pelo atrevimento em parafraseá-lo em seu mais famoso e patriótico poema.

Não poemarei. Não sou muito dada às rimas e ritmos, mas, de onde estou sentada, vendo esta paisagem e ouvindo estes sons, não pude evitar de trazê-lo à mente.

Quero lhe dizer que meu quintal tem diferentes espécies de árvores, onde cantam sabiá, saíra, rola, bem-te-vi, araçari, canário-da-terra, pardal, japira ...

O beija-flor passa o dia em idas e vindas até ao jardim, exibindo sua habilidade de voar, apreciar e sugar o doce da flor, tudo, no mesmo instante. Depois sai em disparada, para retornar mais tarde, para o costumeiro exibicionismo (no melhor sentido da palavra).

De vez em quando, aparece uma jacupemba. Não sei é sempre a mesma ou há um revezamento, contudo, aquela que aparece, está sempre solitária. Pousa sobre os galhos da embaúba e ali fica, esquecida da vida, olhando o horizonte.

Diferentemente dela, os saguis-de-cara-branca, aparecem em bando. Brincam nas árvores, balançando-se de uma à outra, fazendo uma farra entre si, encantando os espectadores do momento, degustando as frutas da estação.

Há ainda o pio dos pintinhos, os cacarejos das galinhas, o lamento das galinhas de angola e o canto das majestades do quintal, os galos.

Meu quintal tem um rego que quase vira cachoeira em tempos chuvosos, produzindo um alegre e misterioso som.

E, ao alongar o olhar e apurar a audição, ainda tem o azul oscilante do mar e o som das ondas: ora marulhos, ora estrondos.

Meu poeta, que tanto exaltou nossa Pátria, quando o coração estourava de saudade! Neste momento, vendo e ouvindo esta natureza, agradeço por apreciá-la sem saudade, apenas pela admiração que ela me desperta.

Não espero viver longe deste quintal, ao ponto de que o lamento de sua saudade,

me inspire uma obra de arte.

Saudações, Gonçalves! A sua terra, a nossa terra, ainda tem palmeiras e sabiás. Pouquíssimos, é verdade! É possível que nem se encontrem mais para um concerto, mas continuam resistindo à passagem do tempo e do Homem.

E, para encerrar por hoje, parafraseio, também, parte de sua prece.

Também peço a Deus que não permita que eu morra sem que aviste meu quintal, onde também canta o sabiá.