Carta #1 - Aonde estivemos.

Eu estive perdido nas ruas da cidade, com meus passos largos e rápidos,

Sem destino algum, minha vista embaçada e sem foco e sem cor, como num filme noir daqueles bem sujos, é, eu caminhei muitas milhas até aqui.

Eu vi todo tipo de pessoas e vi pessoas que haviam deixado de ser e vi a expressão do mundo nos olhos de um garoto de no máximo oito ou nove anos de idade que idolatrava e beijava sua garrafinha de tiner como se fossem as chagas de Cristo.

Quando me olhar nos olhos, não fique constrangido por não reconhecer o velho brilho, e se isso lhe entristecer eu irei entender. Minhas lágrimas secaram e minhas olheiras denunciam que perdi o sono há tempos. E nesse meio tempo, enquanto estava perdido e tentando me encontrar, muita coisa mudou pelo que vejo.

Me desculpe, mas não posso deixar de achar graça quando você se refere “ao meu mundo”, como se não fosse também o seu. É triste que nossas reminiscências não passem de pura nostalgia, folhas de papel amareladas cheias de retalhos de antigos sonhos, às traças, ‘nosso mundo’, às traças.

Enquanto você trepava prestando tributos à Dionísio e toda sorte de paganismo orgiático, seguindo firmemente sua convicção de arauto da Luxúria, eu andei sobre poças d’água e procurei bitucas pelo chão e ouvi sussurros e gritos e murmúrios pelos cantos e ao fundo o ressoar dos cascos de cavalos negros como a noite e rápidos como o vento, e por onde passavam tudo era lamento meu caro, lamentos, e enquanto isso eu tentava imaginar em que ponto tornamo-nos insuportáveis e nocivos um ao outro.

Interdependência? Talvez. Existiam muitas coisas entre nós, sabíamos muito um do outro, e isso incomodava as pessoas; éramos livres e libertinos e rápidos demais pra que qualquer um daqueles párias acompanhasse. Quando tentavam ser como nós já havíamos mudado e mudado de novo. Esses foram os velhos tempos meu amigo, mas nos perdemos. Eu dentro de mim, e você dentro de alguém.

Agradeço que tenhas indagado-me sobre aquele assunto, mas deixo minhas apologias, perdi a prática quanto à enigmas e já não tenho a insistencia necessária para que fales claro comigo, logo, eu passo.

Se quiser conversar à respeito, sabe onde me encontrar, quando quiser.

No mais, espero que alcance seu objetivo, se é que ainda tens algum.

Um beijo fraterno, do seu,

Lou.