Uma Carta a Søren Kierkegaard

Caro Søren,

Escrevo para você com o coração pesado, tentando entender a confusão que é amar alguém tão profundamente e, ao mesmo tempo, sentir que nossos caminhos não estão alinhados. Sou um grande admirador da sua obra, e seus livros têm sido meu refúgio. Suas ideias sobre amor, angústia e escolhas falam comigo de um jeito que poucos conseguem. Não sei se vou conseguir organizar tudo que sinto, mas esta carta é um desabafo, uma tentativa de colocar em palavras o que está me consumindo. Você, que viveu o peso de um amor impossível com Regine, talvez entenda o que estou passando.

Eu amo uma mulher incrível, Søren. Ela é forte, inteligente, com um coração que, mesmo machucado, ainda brilha. Ela carrega cicatrizes de amores passados, de promessas quebradas que a fizeram construir muros altos. Por causa disso, ela não se deixa ser amada completamente. Tento mostrar que meu amor é diferente, que é paciente, mas é como se ela tivesse medo de acreditar. Isso já seria difícil o bastante, mas tem outro peso: os sonhos dela e os meus, que, mesmo sendo parecidos, não caminham no mesmo tempo.

Ela quer uma família, Søren. Quer uma casinha com quintal, um lugar onde possa fincar raízes e crescer. Ela fala de ter filhos, de construir uma vida estável, de pertencer a um lugar. Dá pra ver nos olhos dela o quanto isso é importante, o quanto ela deseja essa segurança depois de tantas tempestades. E eu entendo. Ela já sofreu muito, e esse sonho é como um porto seguro, algo que a faz sentir que o futuro pode ser bom. Só que eu, com 24 anos, não estou pronto para isso. Não é que eu não queira — eu quero, e quero com ela. Imagino nós dois construindo essa casinha, criando nossos filhos, vivendo uma vida juntos. Mas não agora.

Eu sinto um chamado diferente, Søren. Quero desbravar o mundo, conhecer lugares novos, culturas diferentes. Quero ver como outras pessoas vivem, ouvir suas histórias, entender visões de mundo que nunca imaginei. Quero viajar, me perder em cidades estranhas, aprender com o que é diferente. E o mais importante: quero que ela esteja comigo nessa jornada. Sonho com a gente explorando juntos, rindo em lugares desconhecidos, crescendo com essas experiências. Acredito que isso nos faria mais fortes, que seria parte da nossa história antes de fincarmos os pés no chão e construirmos nosso “castelo”. Mas ela não vê assim. Para ela, essa ideia de viajar e se aventurar parece um risco, algo que atrasa o que ela realmente quer. E isso está nos afastando.

Fico dividido, Søren. Amo ela demais, mas também amo essa vontade de explorar que pulsa em mim. Sinto que, se abrir mão disso agora, vou me arrepender. Mas, se insistir, posso perdê-la. É uma angústia que não explica. Você escreveu uma vez que amar é querer o bem do outro, mesmo que isso exija sacrifício, mesmo que o amor nos coloque diante da dor.

Tento viver isso, amar ela pensando no que é melhor para ela. Mas e o que é melhor para mim? Será que amar é renunciar aos meus sonhos? Ou será que é encontrar um jeito de conciliar os dois? Quando penso em você e na Regine, fico imaginando como você lidou com escolhas tão difíceis. Você a amava, mas terminou o noivado por acreditar que era o certo, talvez por sua fé, talvez por sentir que não podia dar a ela o que ela precisava. Como você aguentou essa decisão? Como conviveu com a dor de saber que ela seguiria sem você? Quero saber, porque estou com medo de fazer a escolha errada.

Essa diferença entre nós me deixa sozinho, mesmo estando tão apaixonado. Tento falar com ela, explicar que quero construir essa vida com ela, mas que precisamos viver outras coisas antes. Quero que ela veja que essas experiências podem nos unir, que podem ser o alicerce do nosso futuro. Mas ela se fecha, e eu não sei se é por medo ou porque simplesmente não acredita no mesmo que eu. Isso me decepciona, não com ela, mas comigo. Queria ser o cara que resolve tudo, que faz ela confiar, que alinha nossos sonhos. Mas não consigo.

Você já disse que a angústia é a vertigem da liberdade, o peso de escolher quando o futuro é incerto. É exatamente onde estou. Escolher amá-la é escolher enfrentar essa incerteza, mas também é escolher me enfrentar. E se eu for egoísta por querer explorar o mundo? E se eu for tolo por achar que podemos esperar? Ou, pior, e se eu perdê-la por não estar pronto agora? Essas perguntas me perseguem, Søren, e não encontro respostas.

Às vezes, penso na sua vida, na melancolia que você carregava. Você falava de uma “espinha na carne”, uma dor que nunca explicou direita. Era a Regine? Era o peso de renunciar ao amor por algo maior? Quero entender, porque sinto que sua luta é parecida com a minha. Você escolheu um caminho solitário, mas transformou essa dor em reflexão, em escrita, em busca por sentido. Como fez isso? Como encontrou forças para seguir sem ela?

Tento me apoiar na fé, como você fazia. Você dizia que o amor verdadeiro vem de Deus, que é um dever que a gente cumpre mesmo quando dói. Tento amar assim, pensar no bem dela, mesmo que isso signifique esperar, mesmo que signifique sofrer. Mas confesso que estou cansado. Cada conversa que não avança, cada silêncio dela, é como um peso a mais. Mesmo assim, não quero desistir. Vejo nela uma força, uma luz que me faz acreditar que podemos encontrar um caminho juntos.

Você também escreveu sobre o cavaleiro da fé, que acredita no impossível mesmo quando tudo parece perdido. Será que meu salto de fé é insistir nesse amor, mesmo com nossos sonhos tão desalinhados? Será que devo acreditar que podemos construir algo juntos, mesmo que agora pareça tão difícil? Quero acreditar, Søren, mas o vazio que sinto é grande. É o vazio de não saber se ela vai esperar, se ela vai querer caminhar comigo, se nossos futuros vão se encontrar.

Essa situação me faz questionar quem sou. Você disse que o desespero é não querer ser quem a gente é, ou querer ser outra pessoa. Me pego assim: quero ser o cara que dá a ela a família que ela sonha, mas também quero ser o cara que vive aventuras, que descobre o mundo. Como conciliar isso? Como ser fiel a mim mesmo sem perdê-la? Essas perguntas me consomem, e o pior é que não sei se ela entende o quanto estou tentando.

Apesar de tudo, ainda vejo um futuro com ela. Imagino nós dois, depois de tantas viagens, tantas histórias, finalmente escolhendo um lugar para chamar de nosso. Vejo a casinha, o quintal, nossos filhos correndo. Vejo ela sorrindo, segura, sabendo que o amor que construímos é forte porque foi testado, porque vivemos juntos antes de nos fixarmos. Mas esse futuro parece tão distante agora, e o presente é só incerteza.

Penso mais ainda na sua relação com Regine, Søren. Você a conheceu jovem, como eu, e se apaixonou por ela de um jeito que marcou sua vida. Mas você terminou o noivado, mesmo amando-a, porque acreditava que não podia ser o marido que ela merecia, ou porque sua vocação, sua fé, exigia um caminho diferente. Li que você escreveu sobre ela em seus diários, que ela permaneceu em seus pensamentos mesmo depois que ela seguiu em frente e se casou com outro. Como você lidou com essa perda? Como suportou saber que o amor que sentia não se concretizaria? Vejo semelhanças com o que vivo. Assim como você, amo alguém cujos sonhos não se alinham completamente com os meus. Regine, pelo que sei, queria uma vida estável, um casamento, enquanto você sentia um chamado maior, talvez para sua escrita, para sua busca por Deus. Eu quero explorar o mundo, ela quer raízes. Você renunciou ao amor por fidelidade a si mesmo, mas eu não sei se tenho essa coragem. Quero encontrar um meio-termo, um jeito de manter meu amor por ela sem abrir mão do que me faz vibrar. Será que você já desejou isso com Regine? Será que, em algum momento, você imaginou um futuro onde poderiam conciliar seus caminhos?

Escrevo isso e sinto o vazio crescer. É pesado, Søren, como se eu estivesse carregando um peso que não explica. Mas, no fundo, ainda acredito que esse sofrimento pode me ensinar algo. Talvez, como você, eu consiga transformar essa dor em crescimento, em uma busca por algo maior. Talvez esse vazio seja o espaço onde eu descubra quem sou, o que realmente quero. Não sei se terei sua coragem, mas suas palavras me dão força para continuar tentando.

Espero que, onde quer que esteja, você possa ouvir esse desabafo. E espero que eu encontre um jeito de alinhar meu amor por ela com meu desejo de explorar o mundo. Quem sabe, Søren, esse seja meu salto de fé: acreditar que o amor pode esperar, que podemos construir algo maior juntos, mesmo que leve tempo.

Com respeito e um coração confuso,

Pasia Aventuristo.

Pasia Aventuristo
Enviado por Pasia Aventuristo em 09/05/2025
Código do texto: T8328969
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.