ME DÁ UM ABRAÇO, PAI?!

Quando você tinha vinte cinco anos de idade, eu nasci. Hoje estou com doze anos, sou quase o seu rapaz e sei do seu amor e dedicação por mim. Preste atenção, pai, tem uma história que preciso lhe contar.

Eu fui um homem de oitenta e oito anos, um velho. Andei desocupado, mexendo com as moças bonitas que passavam por mim; elas riam, era tudo o que eu queria. Com meus poucos olhos, fingia ler o jornal todos os dias. Na verdade eu não precisava de notícias. Tudo que me contavam parecia repetição, mas eu ouvia pacientemente. A gente aprende a gostar do silêncio na velhice.

Chegar a essa idade não é fácil, parece que começamos perder a lucidez, ficamos brincalhões e ranzinzas ao mesmo tempo. As coisas ficam pesadas, pai. As energias não são mais as mesmas, as pernas pesam, os braços ficam mais lentos, já não se levanta de uma cadeira com o salto que dou hoje.

Eu fui um velhinho de oitenta e oito anos. Precisava repetir em voz alta certas coisas. Vou tomar banho, escovar os dentes, pentear os fios de cabelo, trocar de roupa. É preciso sempre está perguntado pelas horas a quem, pois a cada hora tem um remédio prescrito.

Na minha velhice, eu saía de casa para tomar um pouco de sol pela manhã, uma caminhada de duzentos metros. Sempre acompanhado, uma visita a algum lugar calmo e quieto. Havia um jardim em casa, tornei-me jardineiro. Eu recordava demais os amigos que tive; muitos, eu não sabia por onde andavam, ou se ainda viviam. Sabia que havia só um restinho de vida para mim, mas não me assustava com isso.

Naquela idade, eu dormia muito pouco, as noites eram curtas e imensamente longas eram as lembranças. Cedo eu me colocava de pé para o meu caminhar silencioso. Passavam por mim os estudantes, os trabalhadores, as mocinhas, me cumprimentavam. Bom dia, vovozinho.

A gente fica bonito com oitenta e oito anos, perde a noção do que é maldade, a gente começa a ficar inocente, os pecados vão se largando, nos abandonando. A sensação é a de que estamos sendo purificados. Todo bom dia que nos dão parece um pedido de perdão e uma prece. Você está perdoado.

O olhar ao longe, na verdade é um olhar para dentro. Eu ficava revisitando os caminhos dos dias que se passaram. Algumas estradas ficam quase apagadas. Chegava às vezes a me perguntar, isso se passou comigo? Eu estive nesse lugar? Sim, eu estive, pois está guardado dentro de mim. Onde foi que arrumei essa cicatriz?

Você está triste porque um velhinho não veio nos visitar. Olha, pai. Há dias que temos vontade de sair de casa, mas aos oitenta e oito anos, não é fácil. Há tanta festa ao nosso redor, vamos esperar outro dia. Quem sabe ele não vem?!

Quando eu tinha oitenta e oito anos, muito barulho me incomodava. Então eu fechava as janelas e me guardava. Eu era muito velho para algazarras. Eu compreendo, pai, que as coisas não sempre do jeito que a gente deseja que sejam. Muitas podemos fazer acontecer, por outras é preciso esperar.

Pai, me dá um abraço de presente?

Edmir CARVALHO BEZERRA
Enviado por Edmir CARVALHO BEZERRA em 30/12/2005
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