MAE, APESAR DE TUDO

MÃE, APESAR DE TUDO...

A figura é bem conhecida por todos: negra alta, suja, banguela, os peitos enormes descem até à barriga. Amarra um pano na cabeça e sai às ruas pedindo esmolas. Á noite deita em qualquer calçada e dorme sob o efeito da cachaça que lhe deram como esmola. Alguém se aproveita disso e a engravida.

À medida que a barriga vai crescendo, ela a apalpa e sorri parece entender que tem um filho ali. Acaricia o ventre sorrindo, balbuciando algo incompreensível.

A praça foi o lugar do parto, o cordão umbilical foi cortado nos dentes, o neném chorou e ela o escondeu debaixo das saias sujas. Quando o dia clareou, sorrateiramente ela desceu as ruas e lavou o bebê nas águas poluídas do Machambombo. Quando ele já estava limpo, o embrulhou em suas anáguas e o neném se saciou no leite daqueles peitos enormes.

O bebê fez com que ela ficasse numa posição de ataque, ninguém chegava perto, talvez temesse que alguém lhe roubasse a criança. O ciúme era tanto, que poucas pessoas conseguiram ver o rosto do dele, só ficou conhecido mesmo, quando começou a acompanhá-la pelas ruas, pedindo comida.

Quando o menino já contava com mais ou menos oito anos, alguém se incomodou de ver a criança com ela pedindo. Começaram as denúncias e o conselho tutelar interferiu. Ela enlouqueceu de vez, queriam roubar seu filho, gritou, esperneou, mas mesmo assim o levaram para uma instituição que abriga menores, na capital federal.

Agora ela anda pelas ruas, quase não sorri, pede mais pinga que comida. Conversa sozinha, chama o filho, às vezes pega o telefone público e fica falando com alguém como se fosse ele, dizendo que está com saudade... Corta o coração em ver seu sofrimento, que apesar de louca, era mãe que amava muito.

Porém ela não sabe, e mesmo se souber não mudará nada, que o filho morreu atropelado na rodovia tentando fugir ao seu encontro...

SINVALINE
Enviado por SINVALINE em 12/05/2006
Código do texto: T155048