Seu Tom Zé e a velha do rio

A velha passeava na mata à margem do rio e fazia os sapos sumirem toda noite. E também todos que haviam encontrado com ela nessa mata ciliar, sumiam. Uma vez um senhor foi dar um passeio no final da tarde e sumiu. Mais tarde a velha foi vista saindo de lá. Depois uma criança também sumiu. E os sapos do local onde ela andava ficaram escassos.

Diziam que ela era a grande bruxa do vilarejo maranhense. Era famosa por também conversar com as plantas. Talvez fosse uma maluca qualquer que havia fugido da cidade e estava ali, perdida e sem destino.

Assim contavam todos os antigos daquele vilarejo. Mas o fato era que ninguém sabia de onde ela vinha e o que ela fazia. Também não a viam sempre, algumas vezes, de noite. Os que já haviam visto contavam que ela vestia-se como uma escrava. Vestido branco rodado, lenço branco na cabeça, colares grandes, aparentemente de prata, muitas pulseiras e sempre descalça.

Mas dentre os poucos moradores daquele local, um era especial: Seu Antonio José, escravo liberto e agora pescador, habitante da vila há sessenta e cinco anos. Homem esperto, respeitado por todos, dizia ele que, numa noite qualquer, ele conseguiu conversar com a velha. Porém a prosa havia se resumido em apenas algumas palavras emboladas, nas quais ela afirmava seu passado como escrava liberta.

O ano era 1918, trinta anos após a abolição da escravatura, dizia ela ter vindo de um engenho muito grande e famoso chamado Engenho Novo do Recôncavo, propriedade baiana da herdeira da família Antunes Castro, a Sinhá Isaura Antunes Castro. A história dita por Seu Tom Zé que afirmava ter ouvido da ex-escrava, contava o seguinte: sua senhora havia se apaixonado por seu marido, dois anos após ficar viúva e lhe dera a liberdade para ficar com o marido escravo. Prometera cuidar do seu filho, de apenas três anos, mas também prometera matá-la, caso a visse pelas redondezas do recôncavo baiano.

O fato é que Seu Tom Zé espalhou essa história entre os quatro mil moradores da vila e todos, sem exceção, faziam questão de contar esta história a quem não era da vila e até mesmo a quem nunca ouvira falar da velha. Seu Tom Zé deixara sua fama de ficar sentado nos finais da tarde observando o vento fazer pequenas ondas no rio, para a fama de contador de histórias.

Histórias mentirosas, como uma senhora tão rica, herdeira de umas das maiores fortunas do recôncavo baiano, se apaixonaria por um escravo africano? Por que apenas Seu Tom Zé havia conseguido conversar com a velha? E o contar de história de um para outro, tomava o tom de avacalhação, chacota, sarcasmo e, inclusive, desrespeitoso com uma figura tão respeitada na comunidade.

Seu nome já estava tanto na boca do povo que decidira tomar uma providência: conversou com uma autoridade na vila: o padre Miguel Costa, por ironia da vida, seu chegado. O vigário resolveu ajudar o ex-escravo de, outrora, tão boa reputação. Fez um discurso e nele, em nome da sua batina, pediu que esquecessem a historia do ex cativo.

A imprensa também colocou pólvora na fogueira: a matéria de capa, do principal jornal em circulação no Maranhão, perguntava:

Seu Tom Zé e a velha do rio: Uma historia mística ou alucinação?

A matéria dava entender que Seu Tom Zé era dotado de poderes de adivinho e adepto ao candomblé, ou então era um louco fazendo todos – inclusive o próprio jornal – perder tempo com especulações a respeito de um ex escravo já nas últimas. Questionou, inclusive, a lealdade de padre Miguel para com a igreja católica: quem já viu um tão experiente e conhecido vigário defender um adepto da feitiçaria?

Após ler o texto, tão rico de informações especulativas, o subdelegado da região resolveu abrir um inquérito para investigar as tardes do senhor Antônio José Araújo perto das margens do rio. O representante maior da polícia no local decidiu conduzir a operação e, qualquer diligencia necessária, pessoalmente.

Mas antes que a operação se iniciasse, Seu Tom Zé despediu-se do mundo. Morreu com três sintomas: velhice, cansaço e abandono. Dizem, e até mesmo o próprio jornal divulgou uma notinha sobre sua morte, que o último sintoma foi o mais determinante. Abandonaram aquele velhinho que nunca fizera mal a ninguém, simplesmente por ele ter contado uma história falaciosa e ter sido adepto a religião africana. Falaciosa sim, mas sem causar qualquer prejuízo moral aos cidadãos da vila.

A velha também nunca mais foi vista e há quem diga que ela caminha eternamente para o norte, matando sapos e fazendo pessoas desaparecerem. Os sapos da região voltaram a aparecer e o jornal também escreveu um texto sobre isso – com bastante detalhes.

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 05/10/2009
Código do texto: T1848984
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