PRIMEIRO DE ABRIL

Em matéria de primeiro de abril, minha mãe só perde mesmo pro Governo Federal que vive passando primeiro de abril em todos nós o tempo todo, em qualquer dia de qualquer mês.

Meu pai, muito ocupado para ficar prestando tento nestas peculiaridades de pouca ou nenhuma importância do nosso calendário, era o alvo preferido de minha mãe. Num primeiro de abril andou oito quilômetros para castrar um porco no terreiro de uma família recém chegada ao bairro, que não criava nem galinhas. E qual não foi o susto da dona de casa quando atendeu ä porta e o meu pai foi anunciando:

_ Seu marido tá in casa?
_ Tá sim.
_ Chama ele. Vim capá o bicho!

Num outro primeiro de abril, D. Maria arranjou uma injeção pro  Sô Ismael aplicar a nove quilômetros de distância. Depois de preparar toda a sua parafernália de enfermeiro comunitário, desinfetar seringa e coisa e tal, lá foi velho. Em lá chegando, não encontrou ninguém da família, sendo informado por um dos vizinhos que a todos viajaram em gozo de férias e de muito boa saúde, para o litoral.

Mas Sô Ismael era homem de se irritar por pouca coisa? Não, não era. Ficava um meio dia de cara assim,  meio amarrada, sem conversar e ignorando as ironias da prole, tipo:  "Ô pai, o moço melhorou com a injeção?" Mas daí a pouco era o mesmo homem, conversador e contador de causos.

Da última vez, minha mãe tirou o velho da cama äs 06h00 da manhã de um primeiro de abril, inventando-lhe "uma porta pasa assentar na casa de compadre Tinoca". Ora, compadre Tinoca, não pedia, mandava! Era amigo do peito! E lá se foi meu pai com o seu alforje de couro entupetado de ferramentas, cabo do formão sobrando pra fora e o serrote grande sobre o ombro direito,  a balançar para cima e para baixo ao compasso dos seus passos.

Daquela vez, estranhamente, meu pai não voltara logo. Já eram 14h00, e nada! Minha mãe já começava a ficar preocupada, quando o Sô Ismael velho de guerra apareceu na curva da estrada em complicados zigue-zagues. Daquela vez, chegou falador.

_ Pois é, cê quis passá primero de baril ni mim e se danô. Cumpadre Tinoca tinha matado um porco e, aí, nós ficô lá bebendo golo e jogando truco até agora. E a cumadre Maria falô assim, que se ocê quisé  aproveitá as tripa pra fazê choriço, é pro cê i lá, purquê ela não vai mexê cum isso não.

Minha mãe armou-se de bacia, foi até a horta, colheu salsa, cebolinha, pegou canudo de talo da folha  de mamão pra assoprar ar as tripas e desceu a rua. Chegando ä casa do Compadre Tinoca, encarou a cara de espanto da Comadre Maria e foi logo dizendo:

_ Vim fazê o choriço, Comadre!
D. Maria de Tinoca, ainda surpresa, perguntou:
_ Uai,  comadre, que choriço?

Foi a vez de minha mãe ficar o dia  todo sem conversar com ninguém. Vez por outra, meu pai entrava na cozinha ainda curando a sua bebedeira e exclamava:

_ Tomô, mula véia?