A VISITA DO PREFEITO

Pensei numa promoção!Dentre os funcionários da Prefeitura, todos eram categóricos em afirmar que nenhum político resiste á uma prova de puxassaquismo. Contudo, eu achava esta lógica dos servidores, de aplicação pouco provável ao nosso Prefeito. Mas como um crente amigo meu já me houvera adiantado que "maldito o homem que confia em outro homem", resolvi então tomar as mínimas providências para dar uma "bajuladazinha" no Chefe do Executivo. Procurei manter sempre no congelador, meia dúzia de cervejas em condições de consumo imediato, e um pedaçode toucinho defumado. Bem no fundo de tuia de guardar roupas por passar descansava em fresca temperatura, dois litros de Jotapê, uma cachaça fabricada artesanalmente em Sabará, vencedora de não sei quantos festivais.

Agora era "armar " a visita!

Não falei pra minha mulher das minhas reais intenções. Tive medo que ela não entendesse o "espírito da coisa" e viesse correr o bairro dando ciência a tudo e a todos dos meus propósitos, que era fazer ver ao Prefeito as precárias condições do meu barraco e solicitar uma ajudazinha para puxar mais um cômodo que  pudesse abrigar a herdeira (sei lá de quê, coitada) que estava por chegar. Argumentei com ela que era melhor nos prevenirmos. O fato de eu trabalhar na Prefeitura e gozar de uma certa amizade com todos, poderia levar algum secretàrio à idéia de me fazer uma visista surpresa e seria bom ter algo a oferecer. Ela considerou aquilo bastante razoável.

A primeira atitude foi tentar abrir uma "janela" na complicada agenda do Prefeito para que ele viesse bater à minha porta. No entanto, o assessor de gabinete já houvera comprometido metade dos seus cabelos para agendar reuniões político-administrativas. Compromissos de ordem pessoal ou afetiva tinham, que esperar. Eram secundários e lesavam interesse maiores.

Não me dei por vencido. Sabia que mais dia menos dia, o Prefeito apareceria no ranchinho, e optei por manter as cervejas, a pinga e toucinho, em ponto de bala.

E o Prefeito deu o ar de sua graça!  Foi num sábado pela manhã. Eu houvera saído para comprar meio quilo de dobradinha, com o intúito de dar uma ar mais solene ao almoço de domingo. Quando voltei recebi a notícia da mulher, diga-se de passagem, com estilo:

_ Silas, advinha quem teve aqui...

Eu estava muito cansado para ficar advinhando coisas, mas para não chatear a patroa, arrisquei sem nenhuma convicção:

_ Seu pai!

_ Não, errô!

_ Maria de Porôto!

_ Também não!

Arrisquei mais uns dois ou três vizinhos sem qualquer importância e como eu começasse a me desinteressar por aquele joguinho ridículo, ela respondeu com a maior naturalidade do mundo:

_ O Prefeito!

_ Ah, o Pref... o quê? O Prefeito esteve aqui?

_ Teve, uai!

Corri até à geladeira, abri o congelador e gelei-me. Tava tudo lá!

_ Fofinha, você não ofereceu a cerveja e o torresmo pra ele?

_ Uai, eu num ofereci nada não. Mas ele falou assim, que volta depois!

_ Ah, sei, o Prefeito volta depois... Não fofa, o Prefeito não vai voltar. Uma visita assim não acontece duas vezes no mesmo mandato. Perdemos a nossa chance.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, tamborilando os dedos na porta da geladeira. A mulher compreendeu a extensão de sua indiferença e tratou de ir se desculpando.

_ Uai, Silas, ele chegô e ficô aí no terrero feito bobo, ispiando as flor, depois foi lá pra lagoa oiá os pexe, aí eu nem tive tempo de chamá ele pra entrá...

_ O quê? Você não chamou o Prefeito pra entrar? Não é só pelo fato de eu ser amigo dele. Isso é falta de educação, Fia!

_ Meu Deus, também cumé que ocê quiria que eu chamasse o homem pra intrá? Aqui dentro tava a maior bagunça. Os tamburete tudo em cima da mesa, o pinico em cima do tanque...

_ Foda-se! Explicasse a situação, mas chamasse o visitante pra entrar!

_ Pois é, antes de ir embora ele pediu um cafezinho, aí eu perguntei se ele queria entrar, mas...

_ O quê? Ele teve que te pedir um cafezinho?

_ Não, isso eu juro que ia oferecê, ele é que pediu antes!

_Ele tava sozinho?

_ Não, tava com aquele home do sítio. Acho que durmiu pur lá, de onte pra hoje.

_ Bom, e aí? Você serviu o cafezinho? Conversou com ele?

_ É divera... eu não! Cumé que conversa com um  home daquele? Pra falá a verdade, na hora que bateu na porta, eu abri e vi que era ela, as perna foi bambiando e quase caí dura!

_ Ora meu Deus, que bobagem Fia!  Ele não faz parte do PCC, nem a candidato a papa! È uma pessoa humilde, como nós mesmos.

A discussão tinha tudo pra ir adiante, não fosse a providencial passagem, pelo rancho, do meu irmão Joel, com mais alguns caçadores pedindo água gelada. Foi aí que me ocorreu a infeliz idéia:

_ Água eu não tenho. tem cerveja, serve? Tô com umas aí, no capricho! Comprei pra um amigo meu, mas ele não vem mais. Podem ir entrando. Ô Fia, frita aquele toucinho defumado pra turma. Enquanto teve cerveja e torresmo todos se empaturraram. Sairam felizes da vida! Quando já iam longe, lembrei-me da cachaça. Chamei Joel de volta e lhe entreguei os dois litros.

_ Uai, pô-pô-pô tô te estranhando... pô-pô-pô cê tá doente?

_ Num é nada disso. ganhei isso aí, mas eu não bebo, leva pro cê!

Ele deu de ombros, agradeceu e foi-se em bora. Confesso que aquele gesto para com a turma deu-me um certo alívio. Tinha passado aquele sentimento de infortúnio. Afinal, eram tão meus amigos como o Prefeito. 
Resolvi deitar-me e relaxar um pouco.

Cinco minutos depois, bateram à porta. Minha mulher foi atender. Chegou á janela e gritou-me:

_ Silas!

_ O que foi agora?

_ É o Prefeito!