O ceguinho produziu flores de montão no jardim

Cê talvez não conheça a geografia de Tabuí. Poucas ruas, casas esparsas, o Sorongo serpenteando numa lerdeza só e o povinho mais parado que Deus botou sobre a Terra. Perspectivas de melhora não há. Aqueles colocados pelo povo, por voto, à frente, para liderar, são os únicos que crescem, surrupiando os minguados trocados que lá chegam como esmola do governo. Um dos poucos escapes do povo é se divertir às próprias custas. Até com quem chega. Não interessa quem seja.

Foi num dia de muito sol, com ar parado e neguinho derretendo de calor, que chega no expresso do meio-dia o cego Rosendo. Bem vestido, botina de cano alto, chapéu panamá, óculos escuros, pastinha preta na mão esquerda e bengala na direita, desce ele da jardineira. Tava até meio ruço da poeira do caminho. Mas quem viu, notou. Rosendo não tava bem. Comera oito quibes com ovo produzidos tresantonte e aquilo tava passado. Deu revertério na barriga do ceguinho. Assim que sentiu alguém perto dele, implorou, bem baixinho, falando com cuidado:

- Cê pode me dizer onde é o banheiro?

Era o Onofre. Logo o Onofre, que o Rosendo teve o azar de encontrar... Ele manja a pinta do recém-chegado, imagina o drama e começa a enrolação.

- Ih, home! Banheiro aqui é a coisa mais difíce que tem...

- Difícil? Pelo amor de Deus, moço! Preciso de um banheiro rápido! Tô nas últimas!...

- Mas já lhe disse! Por aqui não tem banheiro não! Cê qué ir lá em casa? Lá tem privada!... Serve?

O cego Rosendo, suando quente e frio, captou a boa vontade e a hospitalidade do tabuiense. Depositou nele confiança.

- Então vamos, mas tem que ser depressa!...

- É bem ali. Em meia hora a gente chegamo lá!

- Meia hora?!!!... O senhor não tá entendendo, moço! Tô com dor de barriga! Diarréia! Caganeira!... Entendeu? E tenho que achar nem que seja um canto, um matinho, um quintal abandonado pra soltar o barro!...

- Ah, bão! Pode sê atrais de muro então?

- Pode! Cadê ele?

Rosendo já tava tremendo de raiva e de aperto, com cólica, as tripas revirando de tanto gás, prestes a explodir, mas segurando, travando as entranhas traseiras.

- Tem um muro logo ali. Vô colocá o senhor lá atrais dele, bem no meio de uma moitinha. – Falou o Onofre carinhosamente.

O cego pegou no braço do Onofre e lá foram os dois, em trote. Bem na praça da matriz, a única da cidade, depois que subiram um degrau, - que o cego pensou ser um pedaço de muro caído -, tinha um arbusto de assa-peixe, e um pouco de grama.

- É aqui a moita?

- É sim e o senhor já tá atrais do muro. Pode fazê aí o serviço tranqüilo.

Rosendo nem esperou o Onofre cair fora e já tinha baixado as calças, ficando na clássica posição de cocô no meio do mato, acompanhado daquela tribuzana desobediente. Bem no meio da praça, em cima da grama, só escondido por um pé de assa-peixe, começou o serviço. Aí um gaiato, atiçado pelo Onofre, gritou:

- Ô cagão!

Rosendo deu uma freiada no barro e pensou minha cabeça deve tá aparecendo por cima do muro. Envergou a cabeça e continuou o serviço, soltando o verbo com vontade. A turma em volta, em silêncio, rindo a mais não poder. Mais e mais gente se juntando para assistir o espetáculo. O Onofre, comandando tudo, mandou outro gritar ô cagão, aí não é lugá de cagá não, sô!

O cego pensou ih, tão me vendo ainda! Abaixou-se mais, como que para esconder todo o corpo, atrás do muro, deixando as partes íntimas traseiras mais à mostra. Quando ouviu o terceiro grito de ô cagão, vindo de um moleque com alto-falante na garganta, Rosendo, com aquela cólica toda, não agüentou mais. Levantou a cabeça e gritou, com as poucas forças de que ainda dispunha.

- Ô cidade fedaputa! Vai tê muro baixo assim nos quintos dos infernos!!!...

Eurico de Andrade
Enviado por Eurico de Andrade em 22/09/2006
Reeditado em 22/09/2006
Código do texto: T246704