NOS BRAÇOS DA MAESTRINA

NOS BRAÇOS DA MAESTRINA


Este texto foi narrado por narrador onisciente (observador), com eventuais interações em 1ª pessoa.

O baile era num salão do interior, uma légua distante da casa dos seus pais. O pai já dera o cavalo para que ele tivesse o parelheiro para ir a esses lugares. A intenção dele era que o usasse para assistir à missa nos domingos, mas, entre outras coisas, o cavalo levava Tschê Guri, também, aos bailes da redondeza. Por isso tratava bem o animal dando-lhe boa alimentação; escovava seu pelo e sua crina e tratava-o como se fosse um companheiro de todas as horas, com amizade, conversando com ele e brincando, até, porque era um cavalo muito vistoso, apesar de sensível e de boa marcha troteada, inteligente e manso.
No dia do baile, já pilchado e perfumado, a montaria encilhada, ele esperava. Em conversa que tivera dias atrás, ela prometera que, antes do sol se pôr, estaria chegando à sua casa para, juntos, seguirem até a vila de Bonsucesso, onde se realizaria dito baile. Mas, como podem imaginar, sua ansiedade era tanta que, restando ainda uma hora de sol, o guri já se plantara em ponto estratégico donde veria o trecho de estrada por onde ela teria que passar.
Por enquanto estava dando tudo certo como o planejado. “Faltava ela dar-me o carão agora e me deixar aqui plantado como um valete de paus” pensou ele, ruborizando de medo que isso acontecesse. “Isso seria demais! Me poria a imaginar que mulher alguma merecia ser levado a sério”. Mas depois apaziguou sua alma. Essa hipótese foi só uma repentina agressão que recebera da sua pouca experiência; era a que menos o incomodava. “Mas... e se “La Bandolera” tivesse-lhe enchido a cabeça dela com o seu veneno, dizendo horrores de mim! Isso seria maldade demais! Merecia até castigo”, – continuavam suas dúvidas.
E nessas conjeturas de viajor principiante nessa viagem das lides da vida e, principalmente, sendo que o assunto girava em torno de mulher, o piá debatia-se como mosca em teia de aranha. Andava de um lado para outro, sempre com uma das rédeas do seu cavalo na mão, fazendo o animal segui-lo, fazendo ziguezagues.
Olhou para o sol no horizonte e seu coração deu um pulo de satisfação. Somente uma réstia de sua luz coloria as copadas do seu mundinho. Logo seria noite! Tinha certeza de que, dali a pouco este mesmo horizonte enfeitar-se-ia com a figura da prenda que prometera ensinar-lhe os passos da arte da dança.
O rapazola não tirava os olhos do fim da estrada visível de onde estava. Naqueles ermos, os transeuntes eram raros. Somente lá de vez em quando aparecia algum cavalo montado, por certo, por alguém que necessitasse prover-se de alimentos. Muitas vezes, da própria farinha para fazer a sua broa, para o que levava ao moinho seis quartas de milho em grão, trazendo, em seu lugar, no retorno à sua casa, o fubá. Mesmo por isso, pelo adiantado da hora, quase anoitecendo, nem esses viajantes apareceriam. E, por serem raros os passantes naquela estrada de interior àquela hora, teria facilidade, mesmo com a rala luz do ocaso, ver as montarias em movimento e a quem as conduzia.
A agonia da espera estava, finalmente, terminada. Como num passe de mágica, pulava do seu cavalo a Katty... com a irmã bandida à tiracolo, como sempre.
– Boa tarde, meu amigo. Vejo que tu está ansioso, disse ela, bem humorada.
– Boa tarde, gurias. Por que achas que estou ansioso, Katty?
– Pois vinha te observando desde lá de cima do morro, caminhando para lá e para cá.
– É bem verdade, minha prenda/professora! Também não é para menos. Pensa bem, sempre quis aprender a dançar... e agora se apresenta essa oportunidade. Tu não ficaria nervosa se estivesse no meu lugar?
– Eu sim. E acho que até com medo e chorava de nervosa... e riu um riso doce e gostoso.
O rapaz montou sua cavalgadura, convidando as gurias e fazerem o mesmo.
– Então vamos. Não precisamos andar com muita pressa e conversaremos pelo caminho.
– Vamos, disseram ambas, como que em coro ensaiado, o que provocou lauta risada da acompanhante.
O menino medido a homem pensou com seus botões: “... se ela riu tão gostoso, é sinal que não é tão insuportável assim! Bem que a Ketty disse pra não ligar para as brabezas dela. Tanto melhor! Podemos ser, até, bons amigos e cúmplices!”
E foram seguindo a estrada em marcha batida, lenta, conversando. Os jovens animais, por dóceis que eram, não deixavam, de vez em quando, de mostrar suas coreográficas escaramuças, obedecendo, após, ao comando dos donos.
Amarrados os animais numa das copadas árvores ainda livres, entraram no salão. O gaiteiro já espichava seu instrumento, acompanhando o repique de um violão e a batida dos seus pés, num arrasta-pé gostoso. Era cedo e estavam com sede. Dirigiram-se a uma mesa perto do balcão onde se vendia bebidas e o moço pediu três gasosas. Tomaram a bebida e, a Katty vendo que o menino não deixava de olhar para os pés dos casais dançantes, convidou-o:
– Vamos começar as aulas? Tenho absoluta certeza que tu vai pegar logo o jeito da coisa e que vai ser uma noite muito agradável para nós dois.
– Bem, depois dessa gasosa, que desceu leve e matou nossa sede, vamos logo ao que viemos fazer, – e ambos levantaram e foram para o meio da pista.
O rapaz nem sabia se estava tremendo de emoção ou de medo. O fato é que era para ele um desafio que lhe oferecia a vida e ele gostava de desafios. Seu velho pai sempre lhe dizia que nunca se deve acovardar ou recuar diante deles, pois se a gente refuga o estribo diante de uma coisa nova, nunca fica sabendo se gosta ou não da experiência. E, ouvindo a moça dar as instruções, serenou-se e começaram. No começo é claro que os róseos dedinhos da Katty sofreram um bocado, mas ela aguentou firme e nem sequer se queixou.
Nessa altura ela recomendou:
– Eu nunca te vi caminhar torto como um arco quando tu caminha. Aqui para aprender a dançar tens que cuidar bem da postura, isto é, manter a coluna reta. Dançar com naturalidade. Não 'deitar' em cima da prenda.  Isso não quer dizer que tens que ficar como um cabo de vassoura – rijo. Tu entende, coluna reta, mas maleável, para torcer o corpo conforme o ritmo da marca que a gente está dançado exige. É como jogar bocha. Tu, quando coloca o ponto, não fica pendido para frente até a bocha atinge o lugar onde deve ficar. Mas sendo a dança uma arte ao mesmo tempo que é esporte, requer muito mais o teu cuidado com a postura do corpo.
– Sabe, Katty, para mim tudo é novo e, olhando os outros dançar a gente pensa que é muito mais fácil do que é na realidade. Mas não te preocupes, vou aprender, tu vais ver.
– Eu juro que vai!
– Pode ter certeza, quando eu tiver uns trinta anos, quase no ponto de casar, quero ver se já sei dançar...
Riram gostosamente e daí em diante essa euforia foi constante. Depois de mais de uma hora de pista, a dança somente foi interrompida pelo gaiteiro, no intervalo de uma música para outra.
Depois, já cansados e suados, foram descansar um pouco. As duas irmãs porco conversaram. Tschê Guri somente ouviu quando a Katty perguntou para a outra se já havia dançado, ao que ela respondeu que não estava com vontade.
Quando voltaram à pista, foi a vez de aprender os passos da valsa. Katty admirou-se da facilidade que seu acompanhante demonstrou no desempenho desse aprendizado.
– Parabéns, meu amigo, tu já sabe dançar. Vais para casa hoje sendo o mais novo dançarino deste baile.
– Oh não, Katty, tenho muito que aprender ainda!
– Estou te dizendo, tschê, tens facilidade para a dança. Danças leve e... e, notou? Faz mais de hora que não pisas mais nos dedos dos meus pés, riu ela.
– Ah, vai, me desculpa. Eu tive vergonha no começo. Tadinha, pisei tantas vezes no dedo do teu pé que deve estar rocho!
– Tá nada, menino! Para aprender é assim mesmo. E, se eu tivesse tanto cuidado com maus pobres pezinhos, não teria aceitado a incumbência de te ensinar, pois eu já sabia que isso iria acontecer, por isso estou usando um sapato mais duro que de costume. Viste que não estou com aquelas sandálias que gosto de usar.
– Guria esperta, tu! ... e ambos riram às gargalhadas, sem notar que a “Bandolera” estava olhando para eles e vindo para o lado deles.
– O que foi , minha irmã, estás te sentindo mal?
– Não, Katty, vim avisar que já é tarde e precisamos ir para casa.
– Mas está tão gostoso! Um dos melhores bailes que já dancei.
– Mas está tarde e amanhã temos que atender a loja, lembra?
– Ahh, minha irmã, bem agora que eu ia convidar meu parceiro de dança para tomarmos um lanche!!! ... disse ela, choramingando.
– Tu não notou. Estava tão entretida em dançar, que nem te lembraste de olhar no relógio. Já é passado da meia noite, guria!
– Vamos fazer assim, então. Deixa nós dançar ainda esta valsa tão gostosa e, depois, comemos um lanche juntos os três e vamos para casa, tá?
E assim fizeram. Depois de lanchados, foram cada um para o respectivo toalete e, em seguida montaram seus cavalos e seguiram o rumo de casa.







Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 26/01/2012
Reeditado em 26/01/2012
Código do texto: T3463327
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