BASTARDOS

Minha história, desde menina

Quanta humildade em nosso lar,

Mamãe quando viva,

Havia mais esperança no seio familiar.

Olga é o meu nome,

Somam três os meus irmãos:

Nego, Marimar e Adão,

Ninguém ainda sabia ler.

Nossa mãe faleceu,

Eu contava oito anos

Nego era o mais velho

Marimar completara sete e Adão o mais novo.

Bem criança comecei a entender

A falta de afeto me fazia sofrer

Que saudade de minha mãe!

Sua partida queria eu entender.

Ano Velho para traz ficou

Mil Novecentos e Dezessete inicia,

Papai ainda moço,

Foi logo se enamorando.

Meu pai, trabalhador rural e pobre,

Corpo atlético e queimado do sol,

Descendente de portugueses,

Ético, bom e calmo sem igual.

Acredito que mamãe sabia

Que em muito breve partiria,

Só assim justificava suas palavras

Que ainda na minha infância dizia.

Lembro-me de seus ensinamentos,

Dos quais sempre vou me espelhar,

Não fiquei endurecida mamãe!

Quando começou a me ensinar.

Acredito em nossos diálogos,

Quando eu crescer não esquecerei,

Da sua vivência e testemunha,

Lembrando de ti, sempre me alegrarei.

Ajude meu pai Angico,

Meus três irmãos adolescentes,

Nego, Marimar e Adão

E esta sua filha Olga, protege nossa geração.

Agradável foi a nossa vivência unida,

Mãe por que Deus te levou?

E a onde eu viver eu digo

Tudo foi bom, enquanto durou!

Seus filhos tão indefesos,

O que do futuro esperar?

Se nós ainda não conhecemos nada,

Nem o mar, as feras e as estradas,

Fito em volta e já percebo,

Parece que algo mudou a falta de amor,

Reflito e começo a entender

Fato começa a aparecer.

O tempo parece não passar,

E nesse vai e vem, apareceu a mulata Minalva,

Papai todo dengoso lhe desejou boas vindas,

Ambos passaram a se gostar.

Moça firme, família nobre

Mostrava belos dentes quando sorria,

Era dona de terras, florestas e capoeiras

Seus ancestrais adquiriram junto à corte Sesmaria.

1837 muitos e muitos hectares de terras

Foram distribuídos legalmente

Desde o alto de Conceição, São Bento, Barra e Santo Antonio do Muqui,

Por causa do projeto Sesmaria, muitos índios morreram por aqui.

Papai e sua nova amada,

Apesar de sua idade avançada

Parecia um garotão, realizado o noivado,

Ocorreu-me solidão, fome de amor e de pão.

O casamento aproximava! Viva os nubentes

Angico e Minalva sendo recepcionados

Pelos empregados e convidados

E lhes eram ofertados presentes.

Aproxima o capataz fez lhe homenagem,

Sentimos por ti muito afeto

Receba nossa gratidão e nossa oferta

Em nome da nossa patroa

Oferecemos esse belo cavalo alazão.

Eu não estava magoada,

Mas no meu íntimo de filha menina,

Fadiga e sofrimento; perdi o amor de pai

Por causa de seu casamento.

Após os festejos,

Saudações e beijos;

Quais destinos teriam?

Para onde iriam nossos desejos?

Parece que já se cumpria

Aquilo que eu imaginava

Pois começou a acontecer

O que meus pensamentos temiam.

Ouvi a voz da empregada

Que nos chamou a refeição

Numa gamela de madeira

Serviram-nos arroz, angu e feijão.

Sentados em torno daquele vasilhame

De oitenta centímetros de diâmetros,

Com nossos bumbuns rentes ao chão

Fomos comermos com as mãos.

Relatando isso hoje

Não sei se choro ou acho graça,

Quando era encontrado carne

Brigávamos pela disputa do pedaço.

Assim crescíamos

Rodeados de infelicidade

Mas quando tornei mocinha

Lutei contra minha ingenuidade.

Do casamento de papai,

Deu-nos mais três irmãos,

Agora tudo virou desilusão

Perdemos por completo

Todo o respeito...

Todo o afeto...

Congelou nossos corações.

Maria, Marimar e Ara

Filhos legítimos, bem tratados e corados

Na redondeza de Santo Antonio do Muqui,

Adolescentes como eles eu nunca vi.

Nosso pai mudou muito

No meio social e educacional,

Principalmente no econômico,

Tinha poder... Era irracional.

Possuía bons cavalos, tropas de burros

Carros de bois e boiadas,

Glebas imensas de terras

Com achas e arames cercados.

Fabriquetas de queijos e farinha

Açúcar batido, melado e rapadura,

Granjas, porcos, ovos e galinha,

Vacas leiteras, bodes e ovelhas.

Empregado braçal era o que ele mais tinha

Ainda mais na época do plantio,

Era até difícil de contar

Ver tanta gente no brejo, e o barro a tombar.

Uns plantavam as mudas verdes de arroz,

Numa planície fértil,

Contemplar aquele mar do arrozal,

E logo a seguir, chapadas e vales do cafezal.

Recebiam amigos vindos da capital,

Guanabara, Rio de Janeiro,

Vinham conhecer os açudes,

Toda cultura, vegetal e animal.

Adão com 17 anos,

Trabalhava junto aos empregados,

Certa ocasião vindo da lavoura

Estavam servindo aos visitantes

Leite queimado... Era delicioso!

Feito com cravo da índia e açúcar caramelado.

Como todos repetiam,

O leite veio a faltar,

Adão todo encabulado,

Fez sinal, “É leite, eu quero tomar”

Minalva, a madrasta ficou irritada,

Sentiu-se envergonhada com o ocorrido,

Dirigiu-se logo ao capataz ordenando,

Para o paiol o menino Adão levar.

Quando tudo se acalmou,

Ordenou também ao empregado

Que fosse para a ordenha

E mais leite fosse tirado.

Após voltar do curral,

Um latão de leite foi tirado

Entregando a Minalva

Que mandou para o enteado

E todo o leite fosse por ele tomado.

Coitado do meu irmão

Ficou uma semana passando mal,

E ainda com as marcas ao corpo

Deixou cicatriz, visível sinal.

Já estava exausta, sofrida e cansada

Analfabeta, sentia-me sega,

Num dia ouvi quando minha madrasta

Perguntou a Angelina, a empregada.

“Meus filhos ainda não vieram da escola”?

Meu pai que acabava de chegar

Vindo da cidade de São Pedro

Escutou a mulher indagar.

Pela primeira vez

Percebi de papai algo em nosso favor:

“As outras crianças deveriam também estudar”

Desceu do belo cavalo, na estaca o amarrou,

Minalva foi ao seu encontro, ofereceu os lábios,

E eles se beijaram.

Em seguida ela argumentou:

- Ora querido, Adão já é um homem

Temos aumentados nossas colhetas

Graças aos seus esforços e nunca reclamou.

Marimar é uma excelente dona de casa

Seu trabalho agrada bastante aos seus filhos,

Nego é seu braço de ferro no trabalho das tropas,

Olga, eu só confio nela para lavar e passar

Nossas roupas de cama e vestuário

Que coisa prazerosa o seu capricho no engomar.

Precisamos arranjar-lhe um bom partido,

Ela precisa se casar...

Papai ficou olhando para a esposa,

Não disse uma só palavra,

Ela toda faceira e cheia de graça

Aperta-lhe e o abraça.

Numa certa manhã,

Percebi o mano Adão pensativo,

Estava agitado...

Disse-me todo desengonçado:

- Mana não dá, não agüento viver aqui!

Já decidi; irei fugir.

Lembra-se sempre de mim,

Não julgues os meus atos,

Partirei, mas bênçãos dos céus

Rogarei a Deus para vocês,

Irei lutar para ter valor,

Sei que não serei nem professor ou Doutor.

Vou buscar outros ares, conhecer nova cidade,

Só desejo um pouco de paz e dignidade,

Amanhã ao dar falta de mim, não se alarde,

Tenho fé em Deus, na vida que me deste pelo teu sopro,

Não levarei dinheiro, somente essa roupa do corpo.

Clandestinamente, Adão viajou no noturno,

Vagão destinado aos embarques da rota do café,

Na estação da praça, de Mimoso do Sul

Partiu escondido, cheio de esperança,

Não admitia que ninguém mais lhe maltratasse,

Com destino a capital do Brasil, Rio de Janeiro

Onde havia esperança que nova vida o esperasse.

Cinco meses depois fiquei ciente

Que o meu irmão Adão fora detido

Pela Policia do Exército,

Por se encontrar dormindo,

Na Estação Barão de Mauá,

Motivado pela revolução de 1930.

Por incrível que pareça,

Com essa guarnição apreendido

A vida do mano começa a ter valor

Nos serviços de cavalaria,

No quartel ele engajou,

Dando tudo de si,

E o fez com muito amor.

Vindo visitantes do Rio à fazenda

Alguém afirmou conhecer Adão.

Servia no quartel de cavalaria

Na função de soldado,

Muito destemido e altruísta,

Não tinha medo de qualquer grande perigo,

Por diversas vezes havia recebido homenagens,

Do presidente da nação, de amigos e de chefia,

Por suas bravuras e coragens.

Tempos depois, 13 de fevereiro,

O soldado passou a cabo Adão, acompanhou uma comitiva,

Do candidato Getulio Vargas,

Num comício da Aliança Liberal,

Na Praça do Carmo – Guanabara

Rio de Janeiro, capital

Motivo ter uma sustentação nacional.

Ocorreu próxima a Igreja do Carmo a manifestação,

De repente exaltados os ânimos,

Pauladas, pedradas, tiros e mais tiros

A fim de espalhar tamanha multidão,

A Polícia Civil, chega, avança e investiu,

4 pessoas mortas e muitos feridas

Formou uma tremenda confusão

Alvejaram também o cabo Adão. O tempo passa...

Cabo Adão restabeleceu e recebeu baixa,

Foi promovido...

Indenizado.

Abre na Rua Lobo Júnior, bairro da Penha

Ponto comercial foi um desafio

Essa administração por conta própria,

Importante sina a cumprir,

Sua vida começa a progredir.

Iniciou com compras e vendas

De móveis usados...

3 anos depois, ótimos negócios

E muitos numerários faturados.

Eu continuava a viver,

Vou concordar com as alternativas de papai,

Necessito com urgência sair do jugo de minha madrasta,

Para amenizar o meu sofrer,

Ordens suas irei ceder.

Lindomar, odontólogo da Vila

Influenciado por sua profissão

Minha madrasta me prometeu em casamento,

Eu concordei desde que fosse a sacramento.

- Há! Como eu sonhava

Com esse dia na minha vida

Baseada nas recomendações

Da minha mãe querida.

- Quando ela me ensinava

Ainda eu era uma criança,

Descanse em paz minha mãe

Serei sempre tua esperança.

Acabamos de propor nossa união

Acredito que ele me fará feliz

O que não alcancei no seio familiar

Talvez o meu esposo possa me dar.

Meu noivo reconheceu que sou bastarda,

Analfabeta, lavadeira e passadeira,

Não terei preconceitos à vida do dia-a-dia,

Farei com amor e bastante alegria.

Chega o dia esperado,

Os amigos, as famílias, falsas energias;

- Vejam a noiva está chegando!

- Ela está linda!

Parece um anjo surgindo.

É o vestido mais belo!

Entre todos os casamentos ocorridos na Vila,

Foi presente de seu mano Adão

O qual não veio, mas enviou mensagem e oração.

“Hoje minha alegria se eleva

Minha querida irmã sobe ao altar,

E o enlace vai-se confirmar

Pedirei a Deus, “prá sempre lhes abençoar”.

Quando tudo chegou ao final,

O baile, a festa, os convidados...

Eu também retornei a vida normal,

Meu esposo não se preocupou,

Juntos ao nosso lar, ele não entrou,

Adentrei sozinha,

Fiz força para não chorar,

Não demorou quase nada

Já vieram me apunhalar.

Foi à maior dor de toda a minha vida,

A traição que vieram me contar,

Será esse o meu esposo?

O qual eu acabara de me casar.

Estava nos braços de Vanuza,

Mulher que sempre lhe desejou,

Neles havia algo em comum,

Os meios educacionais e sociais,

Na minha ingenuidade

Pensei que pudesse transformar,

Os seus anseios aos meus,

E os meus sonhos a felicidade edificar.

Meu juramento matrimonial,

Permanecerá em reconciliação,

Farei o impossível para o isolamento

Não mancharei o leito nupcial desse sacramento.

Seis meses de casada, triste emboscada,

Estou chagada, ferida e muito machucada,

Nossos encontros de amor ás vezes,

Pareciam doidos, uma vez era explosivo,

Outras fúnebre, inerte e desfigurado.

Começamos a brigar,

Triplicou a falta de dialogo,

Meu sentimento dói,

Dói com dores muito doídas,

Se continuar assim, aonde vou?

Eu não sabia que quem mudou tanto

Foi eu ou foi ele, às vezes era de se arrepiar,

Era inverno, estava bastante frio

Lindomar me disse: “Querida vamos arranjar um filho”

- Concordo com você! Quero ser mãe!

Busquemos a paz, preciso viver ao teu lado,

O tempo vai refazer nossos caminhos cruzados.

Em outra noite o céu se abriu,

Apesar de uma garoa fina,

Percebi que o cão latiu,

Vi por entre as frestas da janela

Um vulto de uma mulher.

Batia palmas rente ao portão,

Coloquei-me de pé

Antes de averiguar quem é,

Desliguei o rádio,

Que transmitia a novela

“Uma voz ao longe”

Sintonizada nas Honda da rádio Nacional,

Campeã de sucesso radical.

Como estava escuro,

Foi ela que se manifestou primeiro:

- Olga, preciso muito falar com você!

- Vanuza, você aqui! Como se atreve?

Replicou sem nenhuma excitação:

- Seu marido contigo não é verdadeiro.

Tentei ao máximo baixar minha voz

Esforço por uma educação inexistente,

Sufocada por dentro, disse lhe baixinho

Dar-te-ei toda a atenção a esse momento presente.

Lindomar, seu marido sempre me amou,

As escondidas são nossos doces encontros,

Não vejo culpa em sua pessoa,

Essa emboscada foi bem armada,

Não me precisa agradecer.

Vou lhe contar tudo...

Por que ele prefere a mim e não a você.

Tem por traz disso tudo

Grandes jogos de interesses,

Armados pelos seus pais,

Pois já estão condenados,

E com o câncer avançados

Ambos estão próximos a morrer.

Com a morte deles,

Serão divididos os bens,

Você Olga, passa a ter posses:

Dinheiro, casas, terras, animais...

Tudo dividido em prazo adequado,

E os dividendos são bastantes elevados.

Quanto ao filho que programou,

É muito difícil, esse fato acontecer,

Lindomar é estéril, e um filho jamais pode nascer,

Esta afirmação eu mesma li em seu exame médico,

E seu esposo escondeu de você.

Embora ele seja apaixonado por mim,

Eu nunca o amarei,

Só me interessa a herança,

Que um dia talvez, essa virá por vocês.

Até outro dia! E foi se embora

Deixaram-me confusas,

As afirmações narradas da história,

Como não percebi todo esse contexto,

Também a minha madrasta

Nunca me valorizou,

Tão pouco o meu pai

Que após o seu casamento

Comigo quase nunca dialogou.

Que eles iam a Campos - RJ,

Às vezes eu percebia,

Mas me falavam que iam a passeio,

E não a visitas ao Doutor.

1948 partida definitiva,

Foi o pai de Olga,

Câncer na Bexiga,

Preferiu-se calar

E dizer que nada entendia

Semanas e semanas repetia

O sopro de papai exalou,

Faleceu após uma cirurgia.

Mãe; novamente volto em ti minha atenção

Sua recordação ainda me sustenta,

Quando me pegava no colo,

Esse pequeno afeto me alimenta.

Pode-se chamá-lo de casamento,

Durou quase três anos,

Para acalentar minhas dores e desenganos,

Fui passear no rio, na casa do mano.

Ele já havia se casado,

Com uma prudente mulher,

Glória é o seu nome,

Lutadora em qualquer situação,

Ela é cabeleireira,

Vive muito feliz

Trabalhando em seu salão.

A loja do meu irmão,

Hoje, é uma das maiores do bairro,

“Casa Amado” foi edificada

Na grande Avenida Lobo Júnior,

Atende a maioria dos redutos

Bem próximo a Demilus e ao viaduto.

São móveis, aparelhos eletrônicos,

Geladeiras... Outras infinidades sortidas,

Motivada pelas propagandas dos clientes

Ficou bastante conhecida.

Certo dia conversando com o mano,

Questionei se tens vontade de visitar Santo Antonio?

Lembrar de sua infância e passear na vila,

Ele triste me disse, ainda tenho traumas do passado

Ainda em minha mente trago covardias arquivadas.

Feito o inventário, Adão solicitou

Aquilo que lhe couber, arranjasse um comprador,

E depois de ser vendido,

O numerário fosse lhe remetido.

Com esse dinheiro ele um terreno comprou,

Tendo dois lotes, na Ilha do Governador,

Onde um Engenheiro construtor

Uma linda planta desenhou,

Tendo dois pavimentos,

Em uma reunião o Engenheiro o apresentou.

No dia seguinte um telegrama da vila chegou,

Os filhos legítimos a minha ajuda solicitou,

O meu retorno para ajudar Minalva,

Pois ela morava sozinha na fazenda,

E a noite precisava de companhia.

Sua doença estava controlada,

A medicina lhe arrancou um seio,

Com todos os filhos e enteados já casados

Três moravam na Vila e outros no Rio.

Apesar de tudo, não poderia deixar

De dar atenção a minha madrasta,

E nem ficar martirizando o ocorrido

Será difícil retornar a Vila,

O martírio do amor pelo meu marido.

E assim retornei a minha terra natal,

Ao rever bem longe Lindomar,

Fiquei fatigada...

Um pouco cansada...

Até isolada.

O médico recomendou-me descanso,

Sair da solidão...

Comecei a freqüentar o grupo de terço,

Quebrar totalmente minha rotina,

Participar de festas cívicas e bailes,

Eventos nas cidades ou dos distritos.

Houve até rapazes que me cortejavam,

Em favor aos meus princípios,

Todos eles eu descartava,

Fui a muitos lugares,

Mas nada adiantava.

Na ladeira de chão batido,

Subia uma pequena elevação,

Bem na chegada da vila,

Próximo a um calçadão,

Ficava a minha casa,

Onde eu passava a maior parte do dia,

E com minha madrasta, à noite eu dormia.

Num dos cantos do meu quarto,

Coloquei sob um móvel antigo,

Lembranças amargas que me faziam bem,

Ao me dar um vazio, olhava o seu retrato.

Morar na Vila ele continuava

Em companhia da outra,

Para mim era um suplicio,

Quando ás vezes eu o via.

Não deu outra coisa,

Instigado pela mulher,

Numa ação judicial

Entrou contra mim

Para uma separação legal.

Afirmei ao Dr. Advogado

Faça cumprir a justiça,

Já somos praticamente separados,

Divide com ele o que lhe couber.

E assim foi feito,

Dividimos tudo...

As casas, terras animais,

Ele vai começar nova vida, e,

Eu vou seguir a minha sina.

Após o formal de partilha,

Registrado em cartório fortíssimo,

Lindomar vende a sua parte

E muda-se para Campo Grande – Santíssimo.

A única coisa que pedi a Lindomar

Que não se envolva com olheiro,

E a mulher também eu implorei:

- Cuide bem do meu ex-companheiro.

Uma coisa foi certa,

Vanuza conseguiu o que planejou,

Detestava aquela vida pacata

De morar no interior.

O melhor remédio para mim

É curar a ferida da desilusão,

Chama-se tempo,

Infelizmente a minha até agora

Não acalmou o meu coração.

Como vou esquecê-lo?

Senti-lo como pai,

Meu confessor e amigo,

Esposo e amante,

E ao beijar-me com seus beijos,

Mesmo sendo traída,

Acalentava meus desejos.

Ao introduzir-me em nossos aposentos,

Suspiravam ambos aos ouvidos,

A descarga elétrica oxigenava meus pensamentos,

Quando ia de mansinhos

Amenizavam-me os sofrimentos.

Até jorrar o bálsamo

Adormeciam belos momentos,

Apresentavam os espíritos despreparados

Poderiam ser ricos esses doces encontros.

Um querendo o bem do outro,

Sinceros e não roubados,

Protegido com o liquido da unção perfumado.

Anos e mais anos,

Voava o passado,

Sempre procurava noticias

Daquele homem

Que foi seu ex-amado.

Soube que à amante

Infernizava-lhe a vida,

Mostrava ser uma mulher,

Egoísta, fútil e vaidosa,

Com a sua preocupação maior,

Enriquecer o seu guarda-roupa,

Torna-se fria e mentirosa,

Arquitetava planos audaciosos,

Numa gastança desenfreada,

Ele, não tinha mais vez!

E não opinava em nada.

Para completar a imaginação

Vanuza arranjou uma gravidez:

Deus ouviu suas orações Lindomar

Custou um pouco de tempo mais aconteceu,

Você vai ser papai,

Com medo de haver uma separação

não havia tempo para mais nada,

Paparicava a sua amada e até aquele homem

Concubinato de sua empregada,

E assim nascera o fruto,

Para Lindomar já era explicado,

Por isso abraçava o bastardo amado.

O tempo e a vida continuavam,

Olga não esquecia o príncipe encantado,

Foi assistir a um sarau,

No prédio das máquinas

Grande termômetro real

Esses eventos estão presentes

No sobe e desce da Vila,

São tantos os acontecimentos,

Que ocorre dentro da grande sala,

Que fazem parte dos seus compartimentos.

Primeiro foi à geração da energia elétrica

Distribuída nas casas da vila,

Aquela antiga turbina

Conjugada ao gerador

Moviam-se as máquinas,

De beneficiamento de café e arroz.

Sofreu um grande incêndio,

8 setembro de 1931,

Nesse dia casava Altino Figueiredo

Com Valdete Vivas,

Mesmo com roupas de gala,

Após o casamento,

Ajudaram a carregar latas de água

Para apagar o fogo,

O qual consumia o segundo pavimento.

Apareceu o palco da fé,

Celebração das santas Missas,

Porque a capela antiga estava sendo demolida

E outra nova estava prestes a ser erguida.

As comemorações...

Folia de Reis, vinda da Área Branca,

As pastorinhas, de geração em geração,

Sala de cinema, e palco teatral,

Peças de vampiros e suspense do boné

Tudo isso era graça do projeto cultural

Entre Alcebíades Amado e a Arca de Noé.

Foi sala de aula e laboratórios,

Até comitê eleitoral,

Onde faziam faixas e letreiros,

Dava suporte ao grande e riquíssimo

Folclórico local,

A Jaguará, a mulinha sem cabeça,

O Boi pintado e a figura da vaca mocha

E formava-se o quarteto,

Pai Mané, Nega maluca

E o casal Mãe Maria e Pai João,

Dançavam perto da fogueira,

Ao lado do coreto.

O levantamento do mastro do santo padroeiro,

Fincavam-se o pão de sebo ao chão

Uns batiam palmas acompanhados com pandeiros,

A banda Lira de São José,

Abrilhantava quase o dia inteiro.

Os balões multicores,

Quando subiam, que beleza!

Confeccionados por tio Totonho,

Casado com Marimar,

Irmã de Olga, a minha tia.

Bem mais tarde, show com o conjunto Zip,

Harmonioso grupo musical,

Oséas, o galã da voz de ouro,

Olívio, Batista, Pedro Luiz, Zé Carlos e Rivair,

Todos são frutos da terra,

Inteligentes, fortes como touro.

Pela primeira vez em Santo Antonio do Muqui,

O baile foi um sucesso, ouvimos uma canção,

Interpretada por Oséas, Foi depois que ele mesmo

Declarou, só cantou, porque foi aqui.

Ao retornar-me na história,

Uma comissão foi instalada

No mês de maio de 1948,

Com o tema, Espírito-Santense Vitória,

Com a finalidade, nossos folclóricos registrar,

Cada qual em sua cultura onde o povo mora,

E os anos passaram...

Alguns catalogados, e muitos ficaram de fora.

Lembro-me que participei, em Apiacá,

No dia 26 de agosto de 1958,

Da festa de emancipação política

Onde foi elevada cidade,

Saindo do Distrito originário de Mimoso,

E assim Apiacá passa para o rol mais famoso.

Outro fato até preocupante

Que me voltei ao tempo refletir,

Antes um pouco da morte de Getulio

Todas as terras apossadas

Do projeto de afloramento,

Das áreas agrícolas,

Junto à Corte de Sesmaria,

Segundo aos boatos, grandes áreas,

De Santo Antonio estavam nessa relação,

A fim de retificar uma grande confiscação.

Acredito que em nosso Estado,

Esse confisco não houve,

Pois iria comprometer,

Muita gente importante,

Foi à época que o Espírito Santo

Deu um salto para o futuro,

Com o aparecimento de faculdade,

Farmácia e odontologia,

Bem como outras entidades,

A fábrica de balas de Henrique Meyerfreund,

Dos chocolates garoto,

E dentro desse contexto, ocupava áreas análogas.

Segundo alguns historiadores,

Deram validade ao regime dos posseiros

Junto ao afloramento.

A história parece uma cédula numerária

Pode se renovar, mas a validade é pra sempre,

Sapateie por cima de uma nota, amasse-a,

Nunca perde o seu valor,

Os fatos passam e voam,

Cinqüenta e dois anos,

Afastado do meu ex-amor,

Ainda é triste a solidão,

Era dispensável,

Tal separação.

Depressão por falta de trabalho

Vindo com a crise econômica

Lindomar, meu ex-esposo

Juntamente com a sua amante

Esbanjaram tudo o que possuíam,

Disseram até que o casal

Transformaram-se em rival.

Eu continuo na minha pacata vida,

Sou quase feliz em minha vila querida,

Devido a minha terceira idade

Meu sobrinho Jorge,

Administra meus bens com lealdade,

Ele me orienta e me oferece guia,

Durante as noites e dias,

Não posso e não devo reclamar,

A não ser por Lindomar,

Não consigo deixar de nele pensar,

Tenho quase completa a minha felicidade,

Do meu jeito de ser,

Encaro todas as fragilidades.

Não me arrependo de nada que fiz,

Fui consciente, acredito que até heróica,

Por guardar os meus sentimentos no amar,

Comigo trago a vocação recebida,

Como dizia a minha mãe,

Ter consciência do matrimônio,

Haja o que houver, e nunca se adulterar.

Fui criança sofrida,

Menina, moça e mulher,

Mesmo assim não perdi o elo familiar,

Trago dentro de mim uma premunição,

De que um dia, ele, pra mim vai voltar.

No ano de 1982, 13 de junho

A Vila comemorava o seu Padroeiro,

Santo Antônio de Pádua,

São quinze horas, ou três da tarde,

Como eu fazia esse ritual todos os dias,

Esse não foi diferente,

Arrastei-me e fiquei debruçada à janela,

E quase toda a vila não tinha outra opção

Seria correr e com olhares curiosos

Bisbilhotar a quem chegava de caminhão,

Era a única condução da vila, o carro leiteiro

Vindo de Mimoso, passava na Vila rumo a Conceição.

Era um velho caminhão que transporta

Latões de leite e também passageiros,

E esse dia não foi diferente dos outros,

Só que percebi as marcas na soleira da janela,

Das minhas quantas debruçadas, esperando por ele,

Vi, atentamente, quando da carroceria daquele caminhão,

Um homem magro, pálido saltou com a ajuda de alguém,

Trazia uma bengala junto à mão,

Parecia estar muito doente:

Meu Deus! É ele ou não é ele?

Pobre de minha visão acompanha-me as dores e as lagrimas e a miopia.

Ele está vindo à direção de minha casa,

O amigo ainda continua a ajudá-lo,

Num esforço corri à porta e a abria,

Fiquei enfrente a ele,

Nós nos olhamos nos olhos,

Ambos com cataratas,

Ao mesmo tempo...

Estendemos as mãos enrugadas, manchadas...

Pelas primaveras da vida, e,

Momentos desajeitados,

Fatos do nosso romance calejado.

Os nossos olhares ainda fixados,

Nossas bocas covardes não se comunicaram,

Qual será a reação do presente?

Pelo amor: Tudo está perdoado... Reconciliado,

Venha, entre, o seu quarto já está arrumado,

Não repare, o cupim estragou

O seu porta retrato.

Ao tomarem conhecimento da volta de Lindomar

Alguns sobrinhos de Olímpia reclamaram:

Isso é nojento, o cara esbanja e abusa da tia,

Ela comeu o pão que o diabo amassou,

O marido volta velho quase moribundo,

E o que faz a tia? Deu-lhe perdão, e,

Ainda oferece a reconciliação.

Até o tio Alcebíades, o irmão

Quis dar moralidade de cristão,

Na sua oratória fez uma discussão:

“Eis a planta que faz milagre,

Vejam os olhos de Olga,

Eram secos inspiravam compaixão,

Agora o brilho deles voltará,

Saíram das trevas, voltam à luz

Parece uma menina princesa,

Percebam o tamanho dessa beleza.

Ao retornar, Lindomar, poucos meses com Olga passou,

Já acometido por enfisema pulmonar,

No Hospital Apostolo Pedro,

O sobrinho Jorge ajudou a internar,

E no terceiro dia ele veio a faltar.

Junto ao túmulo do marido,

Olímpia solicitou:

- Coloquem muitas flores amarelas,

Uma faixa de mensagem,

Por favor, não mencione o nome dela.

Olga agora viúva,

Engatinha sobre o tempo,

Bem alicerçada, não se arrepende de nada,

De ter seguidos os impulsos acometidos,

Uns vivenciados...

Outros; cópias da vida,

Adquiridas por memórias de sua mãe querida.

Outra nova noticia quase lhe derrubou,

A morte de sua cunhada Glória,

Esposa do querido mano Adão,

Em 1991, 12 de novembro,

Um ataque cardíaco parou seu coração.

Ficou viúvo o rico seu irmão

Com ótimos patrimônios

Lojas e muitas ações,

4 prédios, 1 apartamento e três terrenos,

Varias contas em bancos, todas com fundos

Disse certa vez o mano João:

Tenho tanto dinheiro que posso dar 3 voltas ao mundo.

O apartamento era de luxo,

No grande hotel Quitandinha,

Sua moradia, imensa mansão,

Contendo dois pavimentos,

E as cadernetas de poupança

Deveriam ter seus rendimentos.

Mas o destino é cruel e cheio de surpresa,

Devido à morte da esposa,

Não tendo filhos para lhe da sustentação,

Adão cai em depressão,

Num pouco espaço de tempo,

1991, em 06 de dezembro

O saudoso Adão morreu.

Iniciou um rol de inventários,

1997, o Dr. Juiz Mario de Assis

Passa em favor da sobrinha

Dirinha Gonçalves Travassos,

Autos de inventário, dos bens deixados

Por Glória e Adão.

Eram mais de 40 herdeiros,

Colaterais e bilaterais,

Foi ai que começou outro calvário,

Para a idosa Olga,

Os sobrinhos não se entendiam,

Muitos deles vivem em agonia.

Olga; foi ela mesma que revelou,

Algo que seu irmão certa vez lhe contou:

- Não desejaria que parentes de Santo Antônio

No seu patrimônio botasse a mão,

Ao lembrar-se disso. Fazia lhe mal,

Mil vezes preferia que todo o seu numerário

Fosse dirigido ao bem estar dos animais.

Isso parece até uma premunição,

Quase 22 anos se passaram

E o Formal de Partilha está sem solução,

E esse inventário está todo enrolado

No maior numerário, ninguém lançou a mão.

São tantas conversas idiotas,

Não se chega a uma conclusão,

Fere até a dignidade,

Com mordes e assopra

Sofre primo e ainda mais o irmão,

Pela realidade da confusão,

Entrega o cargo a inventariante,

E a cada ano que passa

Outros se obtêm.

Olga, apesar da idade,

Encontra-se em plena idéia mental,

Da poderes ao seu sobrinho Jorge

Para administrar seus reais,

E o nomeou para seu tutor,

Ela foi mais clara ainda,

Num parágrafo que elaborou,

Por não ter lealdade com outros...

Jorge, seus bens também já herdou.

Quando isso veio à tona,

Por que não era segredo,

Foi um estopim na pólvora,

Havia 2 ou 3 que semeava medo,

E ainda isso não concretizou,

Por que uns puxam prá cá

E outros puxam prá lá.

Semanas depois outro atropelo,

Olga, pela manhã

Foi à casa do sobrinho Jorge,

E reclama...

Fiquei tonta ao levantar,

Por muito pouco não cair da cama.

Levada as pressas para o Hospital,

Apostolo Pedro, em Mimoso do Sul,

Com muito carinho e amor,

Ao chegar, ainda dentro do carro

Sua face se iluminou,

Levada por uma maca,

Dentro de poucos segundos ela viajou.

Era ela servidora,

Lavava e passava

Todas as roupas

Da irmã e cunhada.

Perdoou sem igual,

O marido e a rival,

E a todos que a criticavam

Na vida apanharam muito mais.

Antes de falecer Olga, pediu ao sobrinho

Que queria ao seu lado os restos mortais,

Do mano Adão e de sua cunhada Glória.

Jorge foi ao Rio de Janeiro,

No cemitério do Catumbi,

Adão e Glória foram exumados,

Colocados em urnas,

Foram removidos

Para o campo Santo

De Santo Antonio de Muqui,

Depositados em túmulo da família,

Que apesar de tudo,

Cada um deixou a sua história,

São recordados, às faltas cometidas são humanas

E por isso, ainda fazem memórias.

E o tempo não perdoa,

Deveria ser mais claro

Fazer a descrição em papel

Dos mais de 40 herdeiros

Já foram mais de 15 pro céu,

Eu não quero afirmar que houve má fé

Mas para confundir até a moeda ajudou

De cruzeiros foi para reais,

E com isso não sabemos

Se alguém perdeu ou ganhou.

A história dessa herança se arrasta

Parece cumprir a tal sina da premunição,

Parece faltar bom senso

A nobreza é destruída pela ambição.

Quando havia dinheiro em caixa

Pagava-se zelador.

Para não da aparência de prédio abandonado,

Pois a qualquer momento poderia ser invadido

Por infratores de ruas desocupados.

Pelo espaço de tempo o prédio apresentava

Bastante danificado, instalação d’água, portas,

Vidraças, pinturas das paredes, as janelas

Foram todas restauradas.

Quando o cofre esvaziou,

Foi embora o zelador,

Não sei qual foi o motivo

Outro inventariante entrou.

Houve histórias até cômicas,

O aparecimento do cofre arrombado,

Saques efetuados depois da data do falecimento,

Guardar em lugar seguro todos os cristais,

Mandaram entregar uma boiada a um laranja,

E esse não sabia o que fazer...

Contas estavam sendo penduradas,

Água, Telefone, IPTU...

O imóvel da ilha estava sujeito a invasão

Duas pessoas mimosenses aprovados

Em concurso para uma melhor educação,

Após diálogos com a responsável de partilha,

Foram morar na referida mansão.

Foi ai que a porca torceu o rabo

De um lado achava que eles

Deveriam pagar aluguel.

Como sou neutro fiz uma reflexão,

Gozado, quando tinha dinheiro em caixa

Pagava-se a um herdeiro para zelar,

Será que não são os herdeiros,

Fazerem um rateio mensalmente

E aos jovens pagar?

E nada desses imóveis serem vendidos

Por que ninguém chegava a uma conclusão,

E lá num período de 4 anos formaram os mimosenses.

Uma igreja evangélica interessou em alugar os pavimentos

Entraram em acordo...

Ela pagaria todas as contas atrasadas

E no instante de resolverem a venda do prédio

Era só avisar com mínimo de antecedência.

Embora eu creia que deveria haver maior transparência.

Por hoje,

22 anos de espera,

Termino esse conto

Na linguagem de poetar,

Com pensamentos suplicantes,

Aos sobrinhos de Olga,

Apliquem em suas vidas

As sabedorias vencidas,

Da analfabeta tia.

Quem sabe vale apena a esperar

No início do próximo ano 2013

Haja entre eles união

E todos possam se renovar.

Se isso acontecer,

Irá quebrar a tal premonição,

Todos os bens serão vendidos,

O Formal de Partilha mais esclarecido,

Com seus números de páginas bem sucedidos

Não dando margem pra falsa indagação,

E os direitos consumados,

Devem ser respeitados,

Até que um dia,

Iremos ao encontro de

Minalva, Olga, Marimar e Adão.

Mas se ficar como está

Confirma a premunição,

Que ele disse a sua mana...

E foi com grande convicção,

E nos seus bens que ainda restam

Ninguém colocará a mão

Vai ficar enrolando, enrolando...

Até vir a próxima linhagem de geração.