Preta, Pobre e Culta

Legalmente, minha existência pode ser uma mentira. Tudo errado. No meu registro de nascimento o nome da minha mãe saiu errado. O nome do pai que consta lá não é o meu pai de fato. O meu nome, o que me fora dado, também não é o que está lá escrito. O escrivão errou. Felizmente não saiu nenhuma aberração. Pelo menos um nome agradável, diferente para ser chamada uma vida inteira. Gostei do resultado. Completando, num país cheio de preconceitos, onde qualquer detalhe faz a diferença, sou mestiça de mãe negra e pai branco. Num linguajar popular, café-com-leite claro. É, e "claro" pode fazer muita diferença. Lá no registro consta de cor negra, ou seja, café puro. Nada contra, mas... E então, cadê eu? É preciso explicações para me fazer existir de fato. O que seria dessa vida com tudo começando errado já nos primeiros ensaios, nesse mundão de Deus. E do Diabo também, não se pode negar. Aliás, antes de me casar precisei ir ao cartório para retirar a 2ª via da certidão de nascimento e foi uma dificuldade só. Foi preciso ir lá umas tres vezes até descobrir que fui registrada depois de já completos dois anos de idade. A despeito das adversidades, de ser preta e pobre, ainda assim consegui viver, e, digamos, vencer, adquirir conhecimentos para ser o que se pode chamar de uma pessoa relativamente culta. Modestamente culta. Eu, Preta, Pobre e Culta.

Preta Pobre e Culta
Enviado por Preta Pobre e Culta em 05/05/2012
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