"Doiê" - Mais que Especial

A minha Doiê, a vovó, certamente merece um capítulo à parte, assim como reservarei, para mais à frente, um capítulo somente para falar da pessoa mais que especial que é minha Mãe.

Dona Izabel houvera sido uma pessoa diferenciada desde criança. Assim contava uma de suas irmãs, a Tia-Avó Mada. Ela mesma, outra pessoinha incrivelmente maravilhosa.

Naquela época, dizia, o Pai comprava fazenda de peças e dalí, daquela porção de tecidos fazia as roupas de todas as meninas. E assim, todas as meninas vestiam as roupas iguais. Quem disse que a Izabel aceitava isso? O pai era rigoroso, mas, sabe-se lá como, as roupas da Izabel eram diferentes. Ela assim o exigia e assim o conseguia. As irmãs ficavam inconformadas. Tudo nela e para ela era diferente. As amigas eram escolhidas a dedo. Negra, bonita, tinhas as suas melhores amigas todas brancas, e eram sempre as filhas dos fazendeiros. Se infiltrava no meio da gente mais abastada e era aceita e bem quista por todos. Causava admiração às irmãs que alem de admiração tinham também ciumes por não conseguirem agir a mesma forma. Isso é o pouco que ouvi da vida pregressa da minha "Doiê" e, pouco ou nada sei mais de sua mocidade e casamento. O que direi daqui para a frente já é do meu convívio com ela. Mas o que aí está, pode ser ilustrativo para o que virá. Desde que me entendi por gente, me lembro da minha avó viúva, e do retrato emoldurado do meu avô mestiço, como eu, café-com-leite claro, sempre na parede da sala. Um retrato dele e outro de um outro do casal. O avô e a avó. Mais tarde foi incluido na parede um retrato meu daqueles antigos onde aparecia o rosto em várias posições: carinha de brava, carinha de triste, sorriso, dedinho no rosto. Bonitinha eu estava lá. Ah, e também um outro semelhante da minha prima, um ano mais nova que eu, com quem convivi a partir dos quatro anos, quando fui afastada do convívio com a Doiê.

Dona Izabel era uma pessoa muito querida. Vivia cercada dos seus vários netos, e das mães de toda a criançada dos arredores. Todos confiavam muito nos poderes de benzedeira que ela possuia. Sempre havia lá mães com suas crianças adoentadas, solicitando que Dona Izabel os benzesse e os livrasse de "quebrantos". Era como diziam. Sempre à tarde, que era quando ela tinha uma tempinho, depois de todos os seus afazeres.

Quando aparecia alguem de manhã, se não fosse nada considerado muito grave, pedia para voltar à tarde. Vovó Continuava a mesma desde mocinha. Dizia que não gostava de preto. Ela mesma, negra.

Os amigos, amigas, eram sempre brancos. Paradoxal, mas era fato.

Continuava vaidosa, estava sempre bem cuidada, sempre bem arrumadinha. Quando cresci um pouco mais, na minha pré adolescência, uma das incumbências que tinha era ajudá-las nos seus cuidados pessoais. Pintar o cabelo, fazer as unhas, ajeitar algumas roupas. Isso foi muito bom para mim. Quando ela se foi, me senti confortada por ter tido o meu papel em sua vida, por ter feito a minha parte, por ter demonstrado a ela carinho, cuidados e os meus sentimentos.

Preta Pobre e Culta
Enviado por Preta Pobre e Culta em 09/05/2012
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