Retornando a casa da Chica e curiosa para saber da história do dente foi que fui entrando de porta adentro.
Já havia uma semana que não aparecia por lá. Estava vigiando o telhado da casa porque a cegonha estava para vir e eu queria ser a primeira a ver meu irmãozinho que estaria chegando logo, logo.
Mas por um pequeno descuido meu perdi a oportunidade porque enquanto estava de olho grudado lá em cima, lá embaixo só ouvi um: ué! ué ué! Fiquei sem entender por um bom tempo!
Lá em casa tinha um bebê, todo mundo em volta daquele bebezinho, e eu agora tinha mais tempo prá tudo, inclusive para mexer na casa toda procurando não sei o quê!
A Chica estava lá, como sempre, feia pra peste, faltando dois dentes, e bem na frente! Com muito custo disfarcei a minha vontade de rir!
-Chica! Você tá com a boca murcha!
-Você vai usar dentadura?
-Que dia você vai colocar esses dentes?
-Pois você está esquisita!
-Quando vai falar fica assoprando por que está sem os dentes!
-Você nunca arrancou um dente menina?
-Eu já! Só que não fiquei feia igual a você!
-Olhe aqui na minha boca se está faltando algum dente!
E escancarava a boca inteirinha para mostrar meus lindos dentinhos!
Bom! Prá Chica eu podia perguntar sem medo!
-Chica, quando a dona cegonha vem trazer o seu neném, você vê ela?
-Não. Porque nessa hora estou dormindo!
E para atrapalhar o meu interrogatório chegavam as freguesas, cada uma mais alvoroçada que a outra para provar os vestidos!
Enquanto isso! Era a mesma história de sempre:
Uma fofocaiada que só mesmo Deus prá ter misericórdia daquela falação sem fim e eu ficava tiririca!
E era um tal de mostrar o esmalte, que mandou fazer a unha não sei onde, que o corte de cabelo da moda agora era igual ao da atriz da novela das oito!
-Chica, falava uma delas, vou comprar um tecido que chegou na loja do S. Lourenço, prá fazer igualzinho ao de fulana!
O meu ouvido já não aguentava tanta besteira junta! Em matéria de roupas elas eram as mais bem informadas, e os comerciantes que não eram nada bobos sabiam de tudo isso.
Era um fala, fala: que me irritei!
-E gritei!
-A Chica tá doente, com dor de cabeça!
Essa minha indignação não prestou! Pois saiu uma lá, com quatro pedras na mão pra me pegar! E gritando!
-Menina chata! Não sei como a Chica aguenta essa guria chata!
Quem quisesse me ver maluquinha me chamasse de chata!
Pensa que chorei?
Pois não chorei uma gota só de lágrima!
- Chata é você, sua fofoqueira, mexeriqueira, faladeira da vida alheia!
-Chata é você, sua chata de galocha, feia, desengonçada, mulher velha mal feita de corpo, das pernas fina, barriguda.
Os vestidos não ficam bem em você, mulher velha cheia de pelancas, vou falar pras freguesas da chica tudo o que você fala delas, vou falar que chamou a Joana de perna torta, 
E não falei mais coisas porque a Chica não deixou!
Enfim foi uma ladainha de mais de metro!
Que mais pareceu um purgante!
Aquelas fofoqueiras nunca mais falaram mal dos outros na minha presença!
Porque quando iam falar, piscavam o olho e diziam:
-Cuidado com ela ai!
Cochichavam, mas eu ouvia tudo!
E a Chica para me defender, não tinha como ninguém!
Deixe ela, pois é meu anjo da guarda!

Emedelu
Enviado por Emedelu em 27/03/2013
Reeditado em 27/03/2013
Código do texto: T4209601
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