PANICO NO VELÓRIO

Era festa na cidade. Dia de homenagem a um ilustre desbravador que fundara aquela cidade neste imenso sertão.

Maria, uma senhora não lá muito boa. Dizia que ela fez muitas maldades com crianças, moças indefesas e pobres meninos, que pediam comida para ela. No feijão, ela colocava pedras para que os dentes dos pedintes quebrassem; no café, punhas sal o invés de açúcar; na carne, colocava além de muita pimenta, colocava açúcar, e assim por adiante.

Chegou o grande dia de sua partida deste mundo. Morreu sozinha, sem ninguém para prestar os últimos socorros. Era rica, mas os sobrinhos estavam de olha em sua herança. Dizia que até briga de foice alguns brigaram...

A polícia viu sua casa aberta e entrou para ver. Maria estava sentada ao sofá, já sem vida, acompanhada de um copo de café com leite e pão com manteiga.

Chamaram os sobrinhos e eles já pensavam na herança, foram para o velório, cada qual com cara de briga, mesmo sabendo a herança seria igual para todos. Chegam até contratar um famoso advogado para iniciar o processo.

No velório, além dos quinze sobrinhos, apareceu o Sr. Geremias. Gereminas era um sujeito muito bondoso, que praticava fielmente a caridade, mesmo sabendo que muitos não concordavam com isso, mas era o seu verdadeiro dom. Bom conselheiro, conhecedor da Filosofia e da Teologia. Foi servidor público municipal e se aposentou como contador público. Não era casado, mas criava um rapaz que algum dia alguém o colocou bebê em um cesto à porta de sua casa. Para Geremias, era o seu filho de criação.

Marcos, seu nome, era muito inteligente. Estudioso e viciado em experiências com eletricidade. Cursava engenharia elétrica e estava de férias neste dia.

Em um dado momento, Geremias percebeu a sobrinhada queria sair na briga. Então, com aquela paciência tão divina, Geremias começou a falar e dar os seus lindos e bons conselhos para os sobrinhos.

Era noite escura. As luzes do velório eram meio fracas e de vez em quando começavam a variar a intensidade.

Geremias dizia:

- Meus amigos. Sei que o momento é de grande tristeza, tamanha tristeza por perder uma grande pessoa, uma grande tia, da qual vocês a amavam muito. Tão grande é o amor sentido de vocês para ela, que a herança não trará tantos benefícios... Sejam amigos, sejam irmãos... Senão o Capeta virá buscar sua tia, mesmo sendo ela pecadora, já fez muitos pecados, mas será perdoada, se vocês não ficarem em paz...

Neste momento, as luzes começaram a piscar. Marcos, muito curioso, sem falar para seu pai adotivo, resolveu sair e verificar o que estava acontecendo. Pegou uma escada, um alicate e algumas ferramentas e foi tentar consertar a fiação.

Não sei ao certo o que aconteceu, mas ouviram-se um estrondo tão forte, o fio caindo em cima do caixão e fumaça saindo, lâmpadas estourando...

- Socorro, diziam todos apavorados. O Capeta veio buscar nossa tia e quer levar a gente, vamos correr, vamos embora...

Não ficou ninguém para o velório. Todos correram de medo, sem saber que Marcos, antes ou melhor, na fração de segundos antes do estouro, pediu que era para pegar todos ( ele se referia aos fios) e as pessoas que estavam no velório imaginaram que o Capeta iria buscar, além da tia, todos os que estavam lá.

Então, a defunta Maria passou o resto da noite sozinha, com seu caixão caído pelo chão ninguém apareceu para seu sepultamento. Somente o coveiro, mais alguns ajudantes, foram os que a levaram para a sepultura.

Até hoje, os sobrinhos ainda não se entenderam sobre a partilha da herança.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 02/11/2014
Código do texto: T5020094
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