O DEFUNTO LEITOR.

Sr. Amarildo era um homem muito culto. Gostava muito de ler. Lia tudo quanto fosse literatura. Seja a Brasileira, a Argentina, a Portuguesa, a Inglesa e sabia muito sobre a literatura árabe. Seu passa tempo predileto era a leitura.

Durvalino era um jornalista muito dinâmico. Tinha as suas ideias muito loucas, mas amava um debate, uma polêmica, um troca de conversa, principalmente nos meios políticos. Diziam ser ele meio socialista, meio comunista e também meio democrata. Escrevia muito sobre Kant, Platão, Lenin e outros filósofos da época.

O tempo passou e a amizade entre os dois foi de um longo período, principalmente quando Sr. Amarildo fora vereador, prefeito, deputado estadual e até deputado federal, Queria ser senador, mas o destino assim não o quis. Já meio debilitado, ele queria somente estudar, fazer palestras nas escolas, nos clubes, nas empresas. Foi também ministro religioso e falava muito bem. Em velórios, ele era chamado para consolar as famílias e os parentes dos falecidos, principalmente pela sua influência comunicativa e conselheira. Ele era o máximo. Não media sacrifícios para levar a paz, a tranquilidade, o amor e sobretudo uma palavra amiga a quem estivesse necessitando.

Ao contrário de Sr. Amarildo, Durvalino era muito grosso, no sentido da palavra. Era de pouco conversa, não cumprimentava ninguém, nem mesmo a própria esposa. Sua vida era o trabalho. Muito capacitado, era redator chefe do jornal, de uma revista de circulação nacional. Palestrante polêmico, também era consultor do telejornal da cidade vizinha. Sua dedicação ao trabalho jornalístico rendia-lhe grande respeito, admiração e também um bom dinheiro.

Há poucos dias de Sr Amarildo falecer, Durvalino esteve com ele e disse que estava preparando uma matéria muito interessante, que talvez seria uma bomba jornalística e ele poderia ser agraciado a um prêmio de repercussão nacional. Era fantástica a matéria escrita por Durvalino.

Em um sábado, pela manhã, Sr. Amarildo vem a falecer de complicações renais e respiratórias. A notícia foi dada pela rádio local, por meio de e-mails e publicações em redes sociais.

Durvalino, muito triste ao saber da notícia da morte de seu melhor amigo, não pode comparecer aos funerais, pois estava no exterior trabalhando e pesquisando sobre a reportagem que tanto sonhava e comentava para seu melhor amigo. Não se consolava com a notícia, mas era a lei da vida, porque Amarildo estava doente e Durvalino tinha que pesquisar e preparar a reportagem. Desta forma ele pensou:

- Vou enviar homenagem em forma de mensagem ao meu amigo. A família vai ficar satisfeita com minha preocupação e também transmitirei os meus sentimentos à viúva, seus filhos, netos, genros e aos demais...

Imediatamente redigiu algumas páginas onde falava de sua amizade com o finado, das polêmicas discutidas entre eles e também os fatos entre eles. Redigiu tudo isso e com um piscar de tempo digitou umas vinte folhas.

Seu Manoel era o encarregado de representá-lo e fazer a leitura do texto escrito. Muito sério, mas tinha uma certa deficiência em ler, devido enxergar pouco, ele começou a ler o texto, mas muita dificuldade estava tendo, porque o texto escrito por Durvalino estava recheado de palavras difíceis de serem pronunciadas, termos jurídicos em seu própria nomenclatura, expressões em alguns idiomas, o pouco significado das palavras, fazendo com que Manoel teria que levar até dicionário para terminar a leitura. Estava tão complicado e difícil, que pensou várias vezes nem comparecer, mas o dever lhe chamava, porque se não o fosse, teria muitos problemas com o Durvalino.

À beira do caixão de Amarildo, Manoel começou a ler a homenagem...

- “ Meu portentoso e inseparável ipyt, nas asserções desta sharaf, digo-lhe que foste meu imenso, adorável e culto companheiro. Teu Ziel de bondade, na imensidão de tua existência....”, desta forma um longo discurso, com o uso de palavras sinônimas, expressões em outros idiomas e demais recursos que somente alguns cultos poderiam entender.

Eram mais ou menos umas onze páginas. Manoel, com muita dificuldade, lia a terceira página, mas seu pensamento estava longe e dizia, consigo mesmo, que estava com receio de errar e não estava entendendo nada, se pelo menos o Amarildo estivesse ali para traduzir e dizer o que era o texto muito complicado. Seu pensamento estava a tal ponto de fazer com que Amarildo ressuscitasse e lê-se o texto para as pessoas.

Em um dado momento, Monoel gaguejava tanto, perdia onde estava, não pronunciava as palavras corretas, tinha tanta dificuldade, principalmente o idioma chinês, japonês, russo, etc... Não conseguia e deu um grito, já chorando e impaciente disse:

- Se, pelo menos, o Amarildo estivesse vivo para ler e traduzir estas palavras tão difíceis que o Durvalino escreveu, vocês entenderiam melhor...

Neste instante, o defunto Amarildo pôs-se sentado no caixão e com suas palavras meigas, disse:

- Manoel, você é um péssimo leitor, nem mesmo sabe ler no português correto e ainda está tentando falar chinês... Dê-me este papel que vou ler e traduzir. Vou puxar a orelha do Durvalino, porque ele quer gerar polêmica, mesmo sem saber...

Nesta hora, as pessoas saíram correndo em ver o defunto ressuscitando e querendo ensinar o Manoel.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 29/11/2016
Código do texto: T5837915
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