Depois do segundo canecão de cerveja continuei caminhando até Cirueña, outro povoado de 150 habitantes. Enchi ali meu cantil e percorri mais 6 km chegando finalmente a Santo Domingo de la Calzada, onde me hospedei em uma antiga abadia cisterciense logo no início da cidade. Era simples, mas tinha o suficiente - e para mim isso bastava. Além do mais era uma construção histórica e com um átrio espaçoso e confortável, onde pude lavar minha roupa manualmente e estendê-la ao sol. Achei engraçado ver aquele bailado das peças no varal misturadas àquelas dos outros peregrinos enquanto alguns deles estavam sentados sobre a grama lendo seus livros ou analisando seus mapas.

Santo Domingo de la Calzada, fundada no ano de 1040 por Domingo García, é uma cidade com pouco mais de 6.000 habitantes e cheia de história.
Está intimamente ligada ao Caminho de Santiago. Sua catedral é de magistral beleza e abriga peças sacras de grande valor e importância, além de um galo e uma galinha dentro de uma gaiola. Sim, um galo e uma galinha - e vivos.


Contam que um casal de peregrinos alemães fazia o Caminho acompanhado do filho, um lindo rapaz que não correspondeu aos assédios da filha do dono da pensão onde se hospedaram.

Furiosa pela recusa e sentindo-se humilhada, a moça colocou dois castiçais de prata na mochila do pobre jovem e avisou ao pai do sumiço. Não demorou muito para que as peças fossem encontradas. O rapaz foi então sentenciado à forca pelo corregedor da cidade.

Os pais desesperados viram-no ser enforcado numa árvore sem que nada pudessem fazer. Não lhes foi permitido sequer enterrá-lo.
O humilde casal orou a Santiago externando sua dor pela injusta execução, pedindo que ao menos ele fosse recebido no reino dos céus.
Então ouviram uma voz dizendo: “Isto não será necessário, pois o vosso filho ainda vive”.


Aos prantos, procuraram o corregedor que estava almoçando no momento e contaram-lhe o ocorrido. Esse lhes disse: “Deixem de bobagem - o vosso filho está tão vivo como este galo e esta galinha que estou comendo agora”.

Imediatamente as duas aves pularam da bandeja e, cantando, começaram a saltitar sobre a mesa diante dos olhares atônitos de todos os presentes.

O rapaz foi tirado da forca ainda com vida e prosseguiu a viagem com seus pais. A filha do dono da pensão, diante do milagre, pôs-se a chorar e confessou toda a ardilosa trama. A partir desse evento, a cidade passou a manter um galo e uma galinha no interior da sua catedral para que nunca se esquecessem do milagre ali ocorrido.

Os peregrinos que a visitam, ficam horas esperando que o galo ou a galinha cante, pois dizem ser sinal de bom augúrio. Eu esperei um pouco, mas eles não cantaram. Assim, fui conhecer a linda cidade e jantar, para dormir em seguida.

Nessa cidade existe um conhecido dito popular: “Santo Domingo de la Calzada – donde cantó la gallina después de asada”

No dia seguinte iria para Belorado, a 23 km dali e estava ansioso, pois deixaria La Rioja e entraria na terceira e penúltima Comunidade Autônoma do Caminho: “Castilla y León”.

Valeu o ensinamento: é melhor ficar distante de uma mulher rejeitada, pois ela será capaz de tudo.
Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 30/09/2017
Reeditado em 11/10/2017
Código do texto: T6129307
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