A MULHER DO BARBEIRO

A MULHER DO BARBEIRO

Por Andrade Jorge

Na pequena Buriti a vida era mais simples, havia mais calor humano, todos se conheciam. O jardim da praça central era um primor, com canteiros de flores amarelas, vermelhas, brancas, uma enorme variedade de plantas que deixava o lugar com ares festivos.

A praça realmente era algo festivo, porque o “point” da moçada era lá. Do lado direito da praça havia uma barbearia, era o pequeno salão de Plácido, já havia uns 15 anos naquele ponto. O barbeiro era uma pessoa muito conhecida, homem gentil, a calma era sua característica, aliás, como convém aos profissionais dessa área.

Plácido ainda fazia a barba dos clientes com navalha. Era casado com Cássia Maria, mulher que ostentava com orgulho sua beleza de mulher madura. Ela realmente conservava a formosura da juventude. Plácido a chamava de “pombinha”, quando chegava em sua casa ia logo dizendo “Ô pombinha já cheguei!”. Só tinha uma coisa que tirava esse homem do sério: mexer com sua pombinha. Aí Plácido virava bicho.

Cássia Maria era uma esposa dedicada, porém não era tão ingênua e santinha assim, a pombinha de Plácido gostava de dar suas voadas incertas...

O barbeiro tinha uma boa clientela, mas o que mais detestava era quando perto da hora de fechar o salão, chegasse cliente para atendimento. Normalmente fechava às 18 horas, mas pelo menos uma vez por semana Plácido trabalhava até 19:30 horas, e sempre na sexta-feira, porque quando o relógio apontava 17:50 horas chegava aquela turma, alguns para fazer barba, outros cabelo. Plácido apelidou essa turma de “turma das seis”, entretanto ele notou que sempre faltava um na turma, e nunca era o mesmo, mas sempre faltando um. Perguntava sobre o ausente, as explicações eram as mais variadas possíveis: “Foi na Igreja”, “Tá doente”, “Foi fazer compras”, “Saiu com a esposa”, e outras justificativas. Mas afinal das contas, pensava Plácido, o que tenho a haver com isso? Não tinha? Tinha sim e muito.

Cássia Maria toda sexta-feira, por volta de quatro e meia da tarde saia de casa e retornava por volta de sete da noite. Aonde ia? Para todos os efeitos ia à Igreja, mas na real ia mesmo dar sua voada incerta nos braços de outro homem, o ausente da turma das seis.

A estratégia era simples, a turma das seis chegava na barbearia e segurava Plácido até mais ou menos sete e meia da noite, tempo suficiente para o amigo ausente executar o serviço com a pombinha do barbeiro. Assim Cássia Maria a cada sexta-feira estava com um amante diferente, era o revezamento da turma das seis, e tudo corria as mil maravilhas.

Todavia naqueles dias aconteceu um fato que revolucionou Buriti, uma grande empresa de cosméticos estava construindo uma nova unidade na região; isto significava mais empregos para os moradores da cidade, mais arrecadação de impostos para a Prefeitura, mais dinheiro movimentando o comércio e a vinda de muitas pessoas, técnicos especializados, engenheiros, pessoal administrativo.

Entre os técnicos especializados estava Rodolfo Augusto, um negro de mais ou menos 1,80 de altura, corpo atlético, um verdadeiro deus ébano. Os amigos o chamavam de Rodô, e ele fazia uso de seus atributos jogando charme pra cima da mulherada, e ainda dizia: “vacilou Rodô entrou!”.

Um dia Rodô cruzou com Cássia Maria, a pombinha de Plácido... E não deu outra: olhares furtivos dela foram a senha para ele. Rodô não deixou por menos, como se fala na gíria “caiu matando”. Conversa fácil, fala mansa, sorriso largo, gentileza em pessoa, conquistou facilmente a admiração de Cássia. Daí para encontros, digamos mais ardentes, foi um passo. A bela Cássia começou a inventar desculpas para a turma das seis. Já não saia mais com eles, os homens ficaram encucados e não entendiam o porquê da repentina mudança da pombinha.

Logo descobriram, porém, o motivo: Rodolfo Augusto! O “negão” havia literalmente “roubado” Cássia das relações com a turma. Ficaram na maior bronca, precisavam tirar Rodô do caminho. Então lembraram que Plácido saia do sério se falassem da sua pombinha.

Como de costume, numa sexta-feira, lá estava a turma das seis, mas não havia ninguém ausente.

- Boa tarde “Seu” Plácido! Cumprimentou Rogério, o mais falante da turma.

- Boas, pessoal, e aí o que vai ser? Só barba? Falou Plácido.

Na verdade o pessoal não estava lá para barba nenhuma e sim para pôr em prática o plano anti-Rodolfo.

- Não vamos fazer barba “Seo” Plácido, estamos aqui só pra cumprimentar o amigo. Completou Betão, outro membro da turma.

E começaram a entabular conversa com o barbeiro, que também adorava uma prosa e conversa vai, conversa vem, levaram o assunto para casos de família, casamento, etc., pois era nesse ponto que pretendiam lançar a semente da dúvida na cabeça de Plácido.

- É “Seu” Plácido, dizia o falante Rogério, a cidade tá cheia de forasteiro por conta da nova fábrica e ouvi dizer que tem um aí metido a besta que gosta de mexer com as mulheres casadas daqui. É preciso ficar de olho aberto, bem aberto, sabe como é....

- Mas comigo não “Seu” moço, sei a mulher que tenho e confio nela. Respondeu Plácido e emendou:

- Ai de quem tentar “botá” o olho nela.

- Sei disso “Seu” Plácido, mas é bom ficar de orelha em pé, porque ouvi dizer que tem um “negão” aí com fama de conquistador e como ele não fica muito tempo numa cidade, vai arrebanhando o que puder. Espetou Rogério.

E a conversa foi se alongando, cada um dando sua opinião, mas sempre com o intuito de deixar o barbeiro com a pulga atrás da orelha. Até que Plácido, com muita educação disse que iria fechar o salão e ir para casa. Despediram-se não sem antes do último alerta, que só poderia ser do Rogério

- Olho aberto “Seu” Plácido, seguro morreu de velho.

Plácido como sempre fazia, tomava uma dose no boteco do Alemão, depois ia pra casa. Naquele dia tinha um grupo de homens conversando animadamente no bar. O barbeiro deduziu que eram homens da nova fábrica, pois não reconheceu nenhum. Pediu sua dose, mas foi inevitável escutar parte da conversa daqueles homens:

- To sabendo que o Rodô tá se dando bem com uma mulheraça aqui da cidade. Dizem que é muito bonita, o único problema dela é ser casada. Outro participante da animada roda completou:

- É, o “negão” ‘tá com a bola toda, coitado do marido. Plácido ouviu esse comentário e, aliado à conversa da turma das seis, começou a ficar preocupado. Tratou de ir mais rápido ainda pra casa. Chegou e já foi direito no assunto:

- Ô pombinha preciso perguntar uma coisa.

- Fala amor, o que é?

- Pombinha, algum homem da fábrica nova mexeu com você?

- Claro que não amor, ninguém mexe comigo, também não dou chance, mas por que tá me perguntando isso?

- É que me falaram que tem uns caras abusados e gostam de dar “cantada” em mulher casada. E tem um tal de Rodô que não é flor que se cheire!

Cássia Maria ao ouvir o nome de Rodô teve um pequeno sobressalto e ficou a pensar: “Será que ele sabe de alguma coisa?” Mas Plácido não sabia de nada.

Rodolfo Augusto continuou a encontrar-se com Cássia Maria, tomando as devidas precauções e o engraçado é que Rodô nunca procurou saber quem era o marido dela e ela, por sua vez, também nunca tocou no assunto. Logo, ele não sabia que sua amante era esposa do barbeiro.

A turma das seis continuou a dar os toques em Plácido e ele estava ficando preocupado, mas confiava demais na sua pombinha e dizia consigo mesmo:

- “Ela jamais faria isso comigo! Conheço minha pombinha”.

Como de costume, Plácido passou no boteco do Alemão, viu aqueles homens reunidos lá, encostou-se no balcão, pediu sua dose e ficou escutando o que os homens falavam, porque o assunto era mulher. E dizia um deles:

- Rapaz! Eta cidade pra dar mulher bonita! Tem cada belezura aqui!

- Falando em belezura e a boneca do Rodô? Ele continua saindo?

- Continua numa boa e dizem que mora neste bairro aqui, o marido só volta de noite, então já viu, né?

Plácido sentiu uma estranha sensação ao ouvir esse comentário, mas não era possível, não havia a menor possibilidade de estarem falando de sua pombinha, pensava ele. Foi para casa pensativo, aquele assunto realmente havia colocado um grilo na sua mente. Ele não queria perguntar mais nada para Cássia Maria porque poderia dar a impressão que estava desconfiando dela. Assim os dias foram passando.

Num belo sábado lá estava o barbeiro fazendo sua função, quando nada mais, nada menos que Rodolfo Augusto entra na barbearia. Rodô chegou acompanhado de um amigo, que não quis esperar e saindo disse:

- “Rodô, vou dar umas voltas por aí, depois passo aqui pra gente ir tomar umas e outras”.

Plácido finalmente conhecia o tal Rodô, o garanhão que tanto falavam. O conquistador que estava lhe tirando o sono. Chegou a vez de Rodolfo, sentou-se na cadeira e pediu barba e cabelo. Plácido começou a investigar o rapaz.

- Rodô é o seu nome?

- É sim, quer dizer é apelido meu nome mesmo é Rodolfo Augusto, trabalho na nova fábrica.

- E aí ta gostando da nossa cidade?

- ‘To gostando muito sim senhor, o povo daqui é muito bom.

- E a mulherada? Você deve estar com tudo por aí, boa pinta, fala bem...

- Ah! A mulherada! A gente faz o que pode.

Neste ponto Plácido já estava afiando sua navalha pra começar a barba do rapaz e insistiu nesse assunto.

- Mas e aí já arrumou alguma por aqui?

- Arrumei sim, mas... Não se pode falar muito porque a mulher tem um problema, é casada. Plácido já sentiu o coração bater mais aceleradamente ao ouvir esse comentário, mas precisava ir até o fim pra tirar a grande dúvida de sua cabeça.

- Mas diga aí a mulher é muito conhecida?

- Diz ela que é muito conhecida, sim, porque o marido dela também é muito conhecido, então é preciso tomar cuidado.

Plácido já impaciente e com a navalha na mão pronto para fazer a barba do rapaz, instigou ainda mais.

- Meu amigo, você sabe que uma barbearia funciona como confessionário de Igreja, o que se fala aqui morre aqui, portanto pode falar a vontade, não tem problema não.

- Ah! “Seu” barbeiro desculpe-me, mas qual seu nome mesmo?

- Meu nome é Plácido.

O barbeiro já estava começando a cortar a barba de Rodô, quando este cometeu um pecado capital, ou seja, falou que achava estranho o apelido que o marido de sua amante colocou nela: “Pombinha”.

Pronto! O céu despencou na cabeça de Plácido. O coração do homem foi parar na boca, a mão tremia, sua face ficou sem cor, a voz custou a sair e ainda Rodô observou:

- Ô “Seu” Plácido, ‘tá tudo bem com o senhor?

Plácido recuperando-se do golpe disse:

- Qual é mesmo o apelido da mulher?

Nessa altura o barbeiro estava com a navalha no pescoço do rapaz, logo abaixo do queixo.

- Ah! “Seu” Plácido é Pombinha, engraçado né?

- Muito engraçado mesmo Sr. Rodolfo, muito engraçado, porque veja a sua situação, estou aqui com a navalha na sua jugular e um movimento em falso posso cortar sua garganta.

- Ô “Seu” Plácido, deixa de brincadeira, homem!

- To brincando não, seu conquistador barato, a mão que segura essa navalha é do corno que colocou apelido na esposa de Pombinha. E você vai morrer aqui! Eu não disse que o que se fala aqui morre aqui?!

Rodolfo Augusto o negro de boa pinta, como dizem, ficou branco, a voz desapareceu ao sentir o contato do fio da navalha que pressionava sua garganta. A situação estava russa. Porém, entre outras qualidades do azarado amante, havia a presença de espírito e, num esforço hercúleo, respondeu com a fala embargada:

- Pelo amor de Deus “Seu” Plácido, não é nada disso que acontece de verdade, tudo isso é uma enganação, uma armação minha, na realidade vou falar uma coisa que ninguém aqui sabe, eu sou gay, sou viado mesmo, então crio essas estórias pra ninguém desconfiar da minha pessoa, senão posso até perder meu emprego.

Plácido deu uma afrouxada na navalha, mas ainda continuava na bronca

- Explica melhor isso aí, seu merda!

- É isso mesmo “Seo” Plácido, desde muito jovem que sou viado, fui transferido pra cá por influência do meu chefe porque tinha um “caso” com ele, e o pessoal andava desconfiado. Eu nunca tive nada com sua esposa, nem conheço ela.

- E como você sabe o apelido dela?

- Ah! Escutei uns caras falando no bar, mas não estavam falando mal não, estavam falando bem, e que o marido dela, que agora sei que é o senhor, é muito amoroso com ela, e até colocou esse apelido carinhoso.

Plácido começou a ficar mais relaxado, a conversa de Rodô estava começando a surtir efeito.

- Mas tem uma coisa, você anda falando por aí que sai com minha esposa.

- Senhor Plácido por tudo quanto é sagrado, eu nunca falei o nome dela, aliás, nem esse apelido, mesmo porque nem o nome dela eu sei. Eu só falo que saio com uma mulher bonita, o pessoal que fica fantasiando, pra mim é bom, assim ninguém desconfia que sou gay.

Plácido acabou por acreditar no rapaz, retirando a navalha do seu pescoço, e ainda perguntou

- Ô “Seu” Rodô quer continuar a barba?

Rodolfo agradeceu muito, saiu lentamente da cadeira do barbeiro, e disse que não era preciso. E lá foi o “negão” meia barba feita e meia por fazer, e com a calça meio molhada na altura da braguilha.

Plácido ficou rindo aliviado, afinal tirou um grande peso (?) da sua cabeça, e pensava com seus botões:

- “Esse não faz mal a mulher alguma”.

Estava nesse pensamento, quando chegou o pessoal da turma das seis, porque souberam que Rodô estava na barbearia, e o extrovertido Rogério já foi perguntando:

- Bom dia Plácido! Ué! Cadê o tal Rodô? O garanhão, o conquistador, o terror das mulheres casadas?

E Plácido muito sorridente respondeu

- Ah! O Rodolfinho? Esse é de fazer barba e emendar cabelo!

Os homens se entreolharam sem entender nadinha: Rodolfinho?

Depois desse episódio, Rodolfo Augusto rapidamente pediu transferência e sumiu do lugar. E a turma das seis? Bem... Continuaram a fazer barba e cabelo às sextas- feiras e, como era de costume, sempre tinha um ausente.

Mais um dia de trabalho e Plácido, para não perder o hábito, passou no botequim do Alemão, para sua dose diária. Lá estava o pessoal da nova fábrica na animada conversa de sempre. Agora quando entrava o barbeiro até cumprimentava o pessoal.

- Ô rapaz! Dizia um, por que será que o Rodô pediu transferência assim tão rápido e se mandou daqui?

- Hiii! Você não tá sabendo? Falaram na empresa que ele quase foi dessa pra melhor. Lembra da boazuda que ele saía? Então o marido descobriu e quase acaba com a vida dele.

- Mas me conta como foi isso...

- Rapaz! Não é que o “negão” é safo mesmo, pois ele não disse pro marido dela que era viado, e não é que o corno acreditou? Rodô viado? Só mesmo um babaca pra acreditar.

Naquela noite Plácido, o barbeiro, que só tomava uma dose por dia, secou um litro de cachaça... Depois daquela infeliz descoberta, virou um inveterado cachaceiro, nem trabalhar direito, trabalhava mais. A pombinha? Dizem que recebeu uma ligação telefônica de uma cidade, coincidentemente onde havia outra unidade da fábrica de cosméticos, abandonou Plácido e a turma das seis e sumiu de Buriti.

FIM

Do livro "Contos, En...cantos&Peripécias" (Oficina Editores/RJ)

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ANDRADE JORGE
Enviado por ANDRADE JORGE em 29/11/2017
Código do texto: T6185239
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